segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O dia em que fui salva

Outro dia, passando pela rua Alagoas, na Savassi, a criança grande, que é como eu carinhosamente chamo a estagiária do trabalho, ao fazer um comentário, me fez lembrar de uma história que eu vivi num restaurante dali. Ela, que me fez lembrar da história, que a ouviu e riu, disse que eu tinha de contar adiante. Então, vai lá.
Num desses eventos de jornalistas, estava eu em uma mesa com dois ou três amigos papeando. Comidinha boa, bebidinha deveria estar também, porque, naquela época, eu bebia ainda menos que hoje. Isso deve ter uns seis anos pelo menos. Descontraídos, demoramos a perceber nossa vizinha de mesa. Uns até hoje não devem ter notado, mas eu jamais esquecerei.
Nesse papo bobo, eis que surge uma baratinha sapeca, queimando o filme do restaurante, que não chega a ser dos mais caros de BH, mas também não é dos mais fuleiros. (Criança, a única vez que eu tomei um tapa do meu pai foi por causa de uma barata. Ele já dormia quando ouviu um berro meu. Correu, em pânico, achando que eu tinha caído do beliche. Quando chegou, eu disse: "a barata, pai", crente de que ele iria matar a bicha e me livrar da presença dela. Tomei um tapa no braço pra aprender a não fazer escândalo à toa. Não adiantou muito, como veremos. Ah, mais uma coisa: se eu tivesse sido mais esperta, teria me lembrado de que meu pai jamais mataria a barata nem outro bicho qualquer. Mas eu nunca fui muito esperta mesmo).
A baratinha começou a passear perto da minha mesa, porque sempre as baratas, os ratos, os morcegos, as abelhas, as vespas, o que for, vão pra cima de quem tem mais medo deles. Eu, esquecendo completamente os ensinamentos que deveria ter aprendido com o tapa do meu pai, dei gritinhos ridículos (o que me alivia é que não somente eu dou gritinhos ridículos quando tem uma barata por perto). "Ai, gente, uma barata! A barata! Tem uma barata aqui, gente!". Deve ter sido alguma coisa assim. Ninguém fez nada. O garçom fingiu que não era com ele, acho que pensou que, se assumisse que tinha uma barata lá, seria uma queimação de filme maior.
Os gritinhos, no entanto, não foram em vão. Aquela vizinha de mesa que foi ignorada por tanta gente me ouviu. Então, aconteceu de Tammy Gretchen se levantar da mesa, vir na minha direção e, com uma pisada só, acabar com a vida da baratinha incômoda e queimadora de filme. Olhei (deve ter sido com um olhar mais cativante e apaixonante que o do gatinho do Shrek) pra ela e agradeci. Ela só disse "de nada", com um sorriso, e voltou para a mesa dela.
Ficou a baratinha amassada para o garçom que ignorou minha aflição limpar. E eu ganhei mais uma heroína na vida.