terça-feira, 8 de novembro de 2011

Hipótese de Emília

"A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais (...). A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.
– E depois que morre?, perguntou o Visconde.
– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?" - Monteiro Lobato
Emília era mesmo uma menininha/boneca esperta. Vi esse texto no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e até tirei foto de tanto que eu gostei dele. Achei o máximo. Não conhecia antes. Não conheço tudo de Monteiro Lobato. Mas acho genial a forma como ele criou a Emília, travessa, meio perversa, esperta ao extremo e dotada de uma sabedoria, estranha, inquieta, mas que dá uns trancos na gente.
Essa bonequinha não criou uma metáfora extraordinária para falar da morte ou do que já não existe mais, por qualquer que seja a circunstância? O que acontece a cada piscada? Uma morte. Cada piscada, uma morte. E, quando para definitivamente de piscar, vira hipótese. Não só a morte, mas tudo o que deixa de existir na vida da gente não vira hipótese? E não é isso o que inquieta tanto, o que gera tanta angústia?
Tenho uma amiga que sofre após a morte do irmão. Quer saber como ele está, se estiver em outro plano - se existir mesmo o outro plano. Angústia sem fim. Porque, tirando o que está na vida da gente e é a vida da gente, o resto todo é hipótese = angústia, incerteza.
O que a gente tem de fazer, então, é colocar a hipótese na vida da gente, tratar como algo que anda piscando, que não parou de piscar. Pelo menos, entra como algo natural e, assim, as gentes não sofrem tanto quando o pisca-pisca apaga.

12 comentários:

  1. Ei Clau!
    Amei esse texto! A gente vive de piscadinhas... e lembrando do outro texto sobre o olhar, penso que precisamos aproveitar cada piscada, pois pode ser a última e depois tudo é hipótese! Ah, obrigada por piscar junto comigo! É uma bênção que Deus colocou na minha vida!
    bjs c/ amor e carinho da Ni

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  2. E as piscadas juntas são as mais gostosas. Vou sempre piscar com vc, Ni!
    Bjo enorme!!!

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  3. Olá Cláudia, tocante esse texto.
    Em meio a esse rosário de piscadas existe um desejo muito grande para que, na pior das hipóteses, quando chegar o último abrir e fechar de olhos, haja vida abundante e que a ordem das coisas mude como se fosse um fechar e abrir, morte para o velho e vida para o novo... onde tudo que é metade deixe de existir e dê lugar para o que é inteiro e eterno.

    À Emília, ao Sabugo e a você uma piscada de olhos e um sorriso :)
    Marcos

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  4. Ei, Marcos! Lindo seu comentário! Esperança é um motor na vida da gente, né? Esperar que seja melhor, seja o que for, faz a gente não se importar tanto com a morte em cada piscada. Também mando uma piscada para você, junto com um sorriso bem abertão. Fico feliz por termos retomado contato por causa das palavras.

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  5. Oi Cláudia, texto mais lindo!
    Fiquei pensando....piscar é um ato tão natural e que independe da nossa vontade, é instintivo, automático, quase nunca percebemos que estamos piscando, mas piscar é fundamental para os olhos...e a nossa vida, será que é assim também?Será que só percebemos a "vida" de vez em quando, quando os "ciscos" nos incomodam,ou quando alguém que piscava junto com a gente (e tantas vezes a gente mal percebia, afinal, ela estava sempre ali, do lado, pertinho) deixa de piscar e aí a gente percebe a falta que ela nos faz?!
    Que loucura, né?
    Abraço!

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  6. Não é, Paolla? Veja como um texto tão simples traz tanta reflexão. A Emília nos trouxe uma, o Marcos, outra, e você, agora, outra, tão bacana. Eu não havia pensado nos ciscos ainda e são justamente eles que nos fazem ver a importância de piscar, tanto para que não entrem quanto para que saiam. Nossa, rende muita reflexão! Gostei muito da sua observação. Grande beijo!

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  7. Muito bacana seu texto, me fez lembrar de um fenômeno que ocorreu comigo umas 2 ou 3 vezes e que felizmente a tempos não ocorre. Eu estava quase dormindo e pisquei, quando abri os olhos daquela piscada já era dia com o alarme... ow... fiquei tão puto, pensei como assim??? e meus sonhos, pensamentos, devaneios??? O que me ocorreu de fato nessa piscada com poderes mutantes que editou minha vida...acho que nunca vou saber. Depois quando você fala sobre a angustia, me fez relembrar do ótimo filme ""as Confissões de Schmidt" com Jack Nicholson no qual seu personagem em certo momento ao se deparar com a mortalidade, raciocina que depois de morto e depois que aqueles que o conheceram em vida também estiverem mortos "acabou" tipo "deixei de existir" achei uma abordagem interessante.... bom enfim... parabéns pelo texto vou continuar acompanhando.... abs.

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  8. Oi, Hugo! Tudo bem? Adorei seu comentário!!! Realmente, a cada piscada que a gente dá quando acorda, a gente mata um sonho. E para onde vai? Para onde vai tudo? Isso me fez lembrar daquela música do Chico Buarque que diz "para onde vai o amor depois que o amor termina?". Ela sempre mexeu muito comigo, porque sempre tive essa coisa de pensar sobre o que acontece com os nossos sentimentos depois que a gente não sente eles mais ou depois que a gente morre... É um grande mistério. A gente não vai saber, mas, pelo menos, faz com que a gente reflita sobre como cada piscada que a gente dá tem uma relevância, uma importância, porque, nela, algo morre para outra coisa (espero que melhor) renascer. Um grande abraço para você! Espero vê-lo aqui novamente!

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  9. exato, eu acho que o que nos faz piscar é a hipotese, o que acontece no depois...
    adorei seu texto, virei seguidor do seu blog. amo o que escreve.

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  10. Também acho, Shandy (para mim, sempre, Eurico!), que é a hipótese, a incerteza que nos motiva. E tudo o que não conhecemos é hipótese. E, por isso, é tão amplo, misterioso e instigador. Que bom que gostou do que viu por aqui! Fico feliz, de verdade!
    Bjão!

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  11. Para complementar seu texto, cito um dos grandes mestres de nossa literatura, o imensurável João Guimarães Rosa: "Mas quem é que sabe como? Viver... o senhor já sabe: viver é etcétera..."
    A morte em si não significa o fim, como muitas pessoas acreditam. o etcétera é a continuação das ideias e ideais que semeamos ao longo de nossa travessia. Mas quando em vida renunciamos à vida, padecemos da pior de todas as mortes: a morte da esperança. Enquanto houver vida, é necessário renunciar a tudo que nos conduz ao caminho da desesperança, da incredulidade, da insensibilidade. Isso é um trabalho árduo e constante, que exige paciência e determinação. Pisca a apaga. Pisca e trabalha. Pisca e ama. Até o dia em que piscarmos e não acendermos mais.
    Por fim, citando mais uma vez Guimarães Rosa, no fim de tudo "as pessoas não morrem, ficam encantadas".

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    Respostas
    1. Oi, Rodrigo! Bem-vindo aqui e obrigada pela visita!
      Esse trecho "viver é etcétera" é a coisa mais linda e mais "redonda", digamos assim, porque consegue, com três palavras, definir o que é a vida, esse mistério apaixonante e insondável.
      Eu digo, às vezes, que a gente não tem controle sobre nada. A gente acha que tem, mas nosso controle sobre as coisas, sobre a nossa própria vida é tão mínimo, tão ínfimo que é como se a gente não tivesse controle de nada. Ao mesmo tempo que é angustiante, isso é fascinante, assim como tudo que encontramos no caminho, né? O acordar, o dormir, o respirar, o amanhecer, o amar e "etcétera".
      Abraço!

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