segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Breu

Por onde andam os amigos?
O que fizeram com a amizade?
Onde está a rede de que tanto falaram?
E das mãos que se prometeram juntas?
É que, nas piores circunstâncias, os esforços da união não se realizaram.
A crença de que o bem vence o mal, se provou, é apenas crença.
Ah é, o mundo real é diferente do imaginário, ou do crente.
É verdadeiro e cruel.
A ilusão dura o tempo necessário, e insuficiente.

sábado, 19 de janeiro de 2019

A evolução dos bichos

Há menos pediatras,
Há mais pet shop.
Mundo childfree
E pet friendly.
Já é o que é,
Já é o que temos.
E o que não temos mais.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Como essas pessoas dormem?

Como um médico dorme ao saber que deixou uma criança morrer sem atendimento e que esteve a metros de poder salvar aquela vida, mas, simplesmente, não quis? Deu meia-volta, foi para casa ou sei lá para onde, sem pensar em quem sofria as consequências daquele ato e ficou esperando, até morrer, por alguém que pudesse ajudá-lo. Médicos, a gente confia em vocês, ainda. Ou não devemos mais, já que nós não somos nada mais que nada?

Como um motorista dorme ao saber que matou um adolescente de 16 anos, que estava simplesmente esperando o transporte para ir estudar? Matou, atropelando, toda a projeção de vida de uma pessoa, todos os sonhos e expectativas de quem estava só começando, só iniciando a jornada, com um mundo aberto inteirinho pela frente. Deixou uma mãe chorando, sozinha. E matou porque tinha pressa, em uma rua de bairro, matou porque acreditava que a pressa dele era mais importante que a de todas as pessoas, mais importante até que a vida de um adolescente que estava indo estudar.

Como um policial dorme ao saber que atirou em uma pessoa indefesa, desarmada, no trânsito, sem lhe dar uma chance, sem ouvi-la, sem quê nem por quê? Sentiu-se ofendido porque o outro o ultrapassou, porque o outro tinha um carro mais potente, ou, quem sabe, porque não gostou da cara do outro? Não importa, mas resolve, facilmente, a rixa que for matando? Então, é assim? Policiais, a gente achava que podia contar com vocês para nos defender na árdua batalha contra a violência que recai sobre nós. Mas sempre estivemos enganados, né? Vocês vêm demonstrando que não, não exatamente a combatem, infelizmente, estão integrados a ela.

Como um político dorme sabendo o que tem feito contra o próprio país? E aqui nem dá para enumerar um caso específico, porque, vergonha e tristeza para nós, os políticos contra o país/povo são 99%. Também, nesse caso, nem dá para falar que já confiamos em vocês. Na verdade, nunca tivemos lá muitos motivos para isso.

Como um juiz dorme sabendo o que tem feito contra o próprio país? E aqui, como ocorre com os políticos, está difícil enumerar um caso específico, porque, para a surpresa de muitos que ainda acreditam nesse um dos três poderes da nação, os juízes, ah, os juízes vêm sendo só atuação por interesses, vaidade, sede de poder. É, ele também chegou lá, aliás, sempre esteve, só que agora essa perigosa relação aparece de um jeito mais explícito. Porque parece que ninguém tem mais vergonha de deixar que as pessoas conheçam atos e falas que um dia a gente pensou que poderiam ser motivo de vergonha para alguém. Ninguém dá mais importância pra isso.

Como as pessoas dormem com tudo isso nas costas e na mente? Aqui, no meu pequeno mundinho, rodeado, ainda bem, de pessoas que dormem sem crimes manchando as mãos, deixo de dormir por tantas coisas menores... E agradeço, mãe, pai e pessoas que me rodeiam, por terem tornado meu sono tão leve.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Da mudez traumática por fatos atravessantes

Não é a melhor solução, mas a gente se cala. Se cala porque não consegue falar, como naquelas situações que deixam as pessoas paralisadas pelo fato de ser algo muito retumbante. Não é do feitio da maioria de nós, mas temos nos calado. Nunca, porém, pela falta do que dizer ou por não nos importarmos. É o contrário. Qual é o nome disso? Aquele estado que dá na pessoa quando ela tem muito o que dizer, mas, em oposição, fica muda? São turbilhões, pensamentos atravessantes, indignações latentes, machucadoras de alma, de coração, de cabeça, de visão, de sentidos.
Pois sim, acho que estamos assim. A gente nunca pode falar pelo todo, fala por si com a ingênua pretensão de encontrar eco, de esbarrar num comum. Mas somos comuns entre nós. Comuns na dor que sentimos e em outros sentimentos coincidentes, embora particulares. Porque o mais impossível é que a maioria esteja indolor à dor que se derrama dentro de nós feito bilhões de litros de lama que entupiram nosso rio e condensaram nosso mar.
E ainda não é só – palavra que nem cabe neste texto de dor, porque, se há algo que não é em tudo isso, esse algo é o só. Não foram só 20 e poucas pessoas que morreram/desapareceram, não é só um povoado de só 500 pessoas, não foram só algumas casas, não foram só algumas cidades mineiras e capixabas... Não, a palavra não é só. O além, esse, sim, junta-se mais ao todo de terror que nos invade.
Além da monstruosidade matadora de gente, natureza, história, outros matadores nos visitaram recentemente, para aumentar o estado de choque, de incompreensão e, lamentavelmente, de impotência. Paris, tristeza também atravessante, apesar de termos sido julgados por nos ocupar da tragédia da cidade-luz, do além-mar, porque a dor, a comoção e a solidariedade têm de ter limite geográfico.
Julgamentos ajudam no processo de emudecimento de seres humanos. Nunca li isso em lugar nenhum, não houve pesquisa que me informou. Mas é o que sinto quando penso em falar e prevejo um dedo, um olhar de julgamento. Creio, esse é dos sentimentos particulares que são coincidentes entre as pessoas. Então, a gente se cala também por medo dos julgamentos. Mas não devia, não devia. A gente aprende um dia?
Passa um, vem outro; passa outro, vem um. E, no momento, o que faz calar é a morte de cinco jovens no Rio. Não eram jovens qualquer. Eram jovens negros. Não eram jovens negros quaisquer. Eram jovens negros da periferia. É Zona Norte. Eu, Zona Norte, sei como a Zona Norte é vista até por quem tem os mais nobres sentimentos. “É meio longe, né?”. Ser longe não é somente uma questão de distância em quilômetros. Revela uma distância social e, preconceituosamente, cultural, que quem é da ZN vai percorrer uma vida para tentar encurtar e talvez nunca vai conseguir. Você pode até ter dinheiro e ser bem-educado, mas, se for da Zona Norte, já perde ponto. Pontos que, às vezes, valem vidas, corações.
Os cinco corações que os jovens perderam de uma vez no jogo da vida não se apagaram por algum vacilo na estratégia. Ou melhor, talvez tenha sido. Quem dá o direito a cinco negros da Zona Norte de ocupar um carro e sair por aí numa noite de sábado? Ninguém, né? O direito de ir e vir, aquele da Constituição Federal do Brasil, não é para todos, cara-pálida. Aliás, vale muito para os cara-pálidas, já os de cara marrom, aí, tem de ver.
A velha história de estar no lugar errado com a pessoa errada. Porque vai que você esbarra com alguém dotado da autoridade de usar arma de fogo e da autoridade de “estado”. Pode ser que essa pessoa esteja, por assim dizer, a fim de... Matar. Então, melhor que seja um alvo que vai dar menos trabalho, alguém que, pela cor e pelo local onde vive, já chega com a pecha de “bandido”. Um bandido a mais, um a menos... Quem vai se importar?
Só que não é assim. Nós nos importamos (surpresa?). Podemos até estar calados momentaneamente, paralisados com tanta atrocidade de tantos lados, mas nos importamos. Se não vai ter tanto espaço em grande mídia, vai ficar replicando por muito tempo em outros locais (salve a internet!), como ainda ecoa – ao contrário do que se possa ter imaginado – o clamor por justiça no caso covarde, covarde, covarde do menino Eduardo. E como há quase um mês ecoam, diariamente e de forma multiplicada, a indignação e as cobranças com relação aos bilhões de lama. A mudez traumática, diz a ciência, segundo algo que já li em algum lugar, é passageira. Depois disso, falamos, falamos, falamos. Nos aguarde, nos aguente.

(*) Escrito em 1º de dezembro de 2015, após uma sequência de traumas.

Se um rato, um ninho

Uma das primeiras vezes em que eu tive a audácia de desafiar minha brava mãe (brava na época, hoje ela é mansinha) foi quando eu tinha uns 12 para 13 anos. Com cabelão, como hoje, quis cortar. Minha mãe jamais iria permitir. Fui lá escondido e cortei "chanel". Não sei por qual motivo, já que Inês era morta, eu decidi jogar o cabelo fora, para esconder a prova do crime. Perto de casa mesmo, onde é o casarão mais antigo da cidade - transformado recentemente em unidade de educação infantil -, havia um lote vago atrás. Era ali. Respirei, juntei forças, girei o braço e atirei o mais longe que eu pude aquele rabo de cavalo, certa de que, assim, não seria punida pela desobediência.
(Lembro que cortei meu cabelo com uma senhora que atendia em um salão em casa, em um bairro ao lado do meu. No futuro, acabei me tornando cliente dela. Dona Conceição. Certo dia desse futuro hoje já passado, à tarde, quando bati a campainha para pedir corte mais uma vez, um adolescente mais jovem que eu atendeu. E me contou, então, que não haveria corte nunca mais. Dona Conceição havia falecido, de um jeito que a gente só sabe que existe, mas nunca crê de fato. Foi atropelada por uma bicicleta, bateu a cabeça no meio-fio, teve traumatismo craniano. Fiquei triste e voltei pra casa sem cortar o cabelo naquela tarde chuvosa. Eu gostava da dona Conceição. Era uma senhora de uns 45 a 50 anos, paciente, me dava conversa e sempre me atendia solicitamente.)
Quando joguei o cabelo no lote vago era noite. Foi um triunfo para mim. Mal sabia eu... O problema com minha mãe foi menos grave que o que eu imaginava que seria. Ela chamou a minha atenção, mas não bateu nem nada. Eu a desobedeci pouco tempo depois de novo, furando as orelhas. Só tomei outra advertência. Acho que minha mãe já estava começando a entrar na fase mais mansa dela quando eu decidi me "rebelar".
Bom, passado o aperto com a minha mãe, o que me atormentou dias e noites seguidos a partir daquele dia foi a conversa de não sei quem para mim quando soube que eu joguei o cabelo no lote vago. "Se um rato pegar o seu cabelo e fizer ninho, você vai ficar doida". Meu Deus, que tormento foram essas palavras. Quis ir atrás do cabelo, mas o que eu ia fazer com ele? Como ia entrar no lote? Qual seria o melhor horário? E se o rato já tivesse pegado? Acabei não indo atrás do cabelo, mas sofri muitos dias, não dormi direito e, acho, me deixei em estado de observação, para ver se havia ou não ficado doida. Talvez na primeira chuva eu tenha agradecido, poderia ter espalhado um pouco o cabelo. Se o cabelo estivesse espalhado, não deveria valer a tal profecia. Se fiquei doida ou não? Prefiro uma resposta menos maniqueísta. Ou: "estou em estado de observação".

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Aos de supercoração

Era algum ano de dois mil e alguma coisa. Era a primeira vez que eu cobria a parada de 7 de setembro. Nunca fui ligada a celebrações oficiais, apesar de ter vivido as disciplinas de Moral e Cívica e Integração Social na escola. Quando fui, então, ver o desfile pela primeira vez, eu já tinha vinte e alguma coisa. Já era por ossos do ofício de jornalista. Nada agradável e feliz levantar domingo cedo para trabalhar, com aquela brisa de pós-agosto batendo forte na nuca e nas orelhas.

A avenida Afonso Pena toda fechada, esperando os carros antigos e novos das corporações e instituições. A multidão começava a se juntar. E eu pensando: “curioso isso, as pessoas gostam mesmo de ver o desfile”. Era atrás dessas pessoas que eu estava. Crianças, jovens, adultos, idosos, homens, mulheres. Quem veio de longe, quem era de perto. Muita gente que já tinha visto a parada, gente que nunca viu, que estava lá pela primeira vez, e gente que vai todo o ano, religiosamente. Eu não estava em nenhum dos casos, porque estava pela primeira vez não para ver, mas sentir. Sentir o sentimento do outro. Como jornalista, vivi isso muitas vezes, busquei outras tantas.

Começa o desfile. Carros e mais carros, fardas e mais fardas, condecorações, o palco das autoridades. Veteranos, novatos. Todo mundo lá celebrando a Independência do Brasil. Crianças com olhar vidrado e olhares vidrados como se de crianças fossem. Algumas corporações ganhavam mais atenção, outras menos. E só uma foi aplaudida do início ao fim, o Corpo de Bombeiros. Com seus carros vermelhos, seus integrantes corajosos. Homens que ocupam o papel de herói no país carente de heróis, nação sempre em busca de heróis e que tem falsos heróis fabricados a todo o momento. No país que é traído por seus heróis, que sofre as mais tristes manobras em benefício de alguém que não seja o povo.

Sem pedir para ser, sem forçar ser, os bombeiros são esses verdadeiros heróis. Para quem nunca viu o magnetismo das pessoas pelos bombeiros, isso tudo pode parecer conversa de um texto qualquer. Comprovar que não é conversa é fácil, o dia 7 de setembro está próximo. E os bombeiros estarão lá e serão os mais aplaudidos mais uma vez. Por quê? Porque, verdadeiramente, eles dão a vida pelas pessoas anônimas, desconhecidas, sem olhar a cor da pele ou o saldo bancário ou a beleza estética. São perfeitos? Não, são homens, e o fato de serem humanos os torna ainda mais especiais e heróis. Heróis sem superpoderes, mas de supercorações. Parabéns a vocês, homens de supercorações, pelo dia de hoje!

sábado, 30 de maio de 2015

De aniversário

Cheguei aos 35 anos. É metade de 70! Será que vivo até os 70? Como serão os próximos 35 é algo tão insondável como era insondável pensar no que foram esses velozes 35. Sei de nada não. Só que estudei, trabalhei, viajei, fiz amigos, que amigos!, assumi "missões" de vida, amei duas vezes, perdi as contas de quantas vezes me apaixonei e de quantos "homens da minha vida" eu encontrei. Muitos nem sonham com isso, rsrsrsrs. Me despedi muitas vezes, tentando soldar à minha vida aquilo que já não era dela. Mas tudo é aprendizado.

Tenho meus pais ao meu lado, meus irmãos, meus quatro afilhados, uma criança apadrinhada e uma família bacana, carinhosa e alegre, com os mesmos desencontros que fazem as famílias serem famílias. Na casa onde vivo, somos quatro: eu e meus três gatinhos. Na verdade, a casa é deles. Aceitei há alguns anos ser apenas uma visitante. Mas sinto que eles me amam e querem a permanência dessa hóspede meio negligente.

Não tenho o que me queixar do envelhecer. Tem sido generoso comigo e, aos 35 anos, me gabo de não ter cabelos brancos, o que permite que eu mantenha longos cabelos - acho que não combina cabelo grande com cabelo grisalho, mas isso é de cada um, e não curto pintar cabelo, e isso também é de cada um. Só para contrariar, ontem, reparando bem, vi que surgiu um cabelinho branco... Na sobrancelha. Que coisa, né? Mas de fácil conserto. Posso vencê-lo com uma arma pequena, leve e portátil chamada pinça. Se não, jogo um lápis para dar aquela coloridinhha.

O corpo vai mudando, mas a gente vai ficando mais feliz. Coisa esquisita. Acho que o se cobrar menos faz um bem danado para a vida. O muay thai foi ótimo para o meu corpo e para a minha mente, por isso tenho como meta voltar o mais breve possível à arte marcial do meu coração. Só passar a fase louca de transição que estou vivendo, para conhecer melhor a minha nova rotina (rotina???).

Não sei porque esta confissão. Na verdade, começou porque eu queria dizer que, se eu tiver algo de bom, eu tenho porque encontrei pessoas no meu caminho que fazem presença e diferença na minha vida "real" e por aqui também; para mim, as duas estão juntas, irremediavelmente. E que todo o carinho que eu recebi de vocês ontem, pelo aniversário e em muitos 365 dias da vida, fazem com que eu queira viver os próximos e próximos 35 anos para poder ter a chance de abraçá-los muitas vezes, trocar coisas boas com vocês, aprender sempre com o que de bom me trazem. E nunca me esquecer de agradecer por tudo. Obrigada, gente! A atenção de vocês ontem me deixou muito feliz, ter vocês é uma dádiva. Beijo, com amor, carinho e gratidão.

domingo, 24 de maio de 2015

Não vamos desistir*

Saí pensativa ontem de uma palestra na UFMG sobre o letramento crítico em língua estrangeira. Que é a possibilidade de, ao passar conteúdos de outros idiomas para os alunos, não se limitar a falar de viagens e comidas, filmes ou turismo, como é o mais comum de a gente ver por aí, especialmente nos livros de idiomas. Dois professores ministraram a palestra, ambos são de língua inglesa. Procuravam formas de valorizar o momento com os alunos, levar, em idioma estrangeiro, questões de cidadania, de direitos humanos, de igualdade de gêneros, de sexualidade, de homossexualidade, de racismo, de machismo... Esses assuntos que muitos professores evitam em sala ou até são proibidos de falar deles em determinadas instituições, presas que são ao conteúdo formal ou mesmo por escolha. Evitar polêmica e conflito é sempre mais fácil.

Mas esses dois professores estão lá, assim como muitos outros, nem todos em ambiente universitário, em jornadas quixotescas em busca de uma educação crítica, cidadã, humana ou humanizada, menos alienada. Além de estarem lá, tentam fazer diferente. São educadores. E isso me faz lembrar do tanto que essas atitudes estão se extinguindo. Não é culpa do profissional que opta pela educação. São tantos desestímulos que exigir do professor que ele se mantenha professor é muito e não é justo.

Na semana passada mesmo, a divulgação do dado de que a procura pelos cursos de licenciatura na UFMG caiu 90% em uma década, sendo que a evasão no curso de Matemática – a maior – é de 50%, é representativa, embora possa ter passado batida por muita gente[1]. Quer isso quer dizer que os alunos que estão ingressando na universidade não querem ser professores. As pessoas, em geral, não querem ser professores. Não querem, fogem disso.

Não era para ser um dado a passar batido entre leitores, entre a sociedade. A gravidade é tanta que, continuando nesse ritmo, em cinco anos, não deverá haver mais ingressos em cursos de licenciatura. Sim, e os professores atuais, os que permanecerem, e os que estão em formação, se continuarem, vão envelhecer, vão se aposentar, vão morrer. E quem vai enfrentar as salas de aulas? E quem vai assumir o ensino para as nossas crianças?

A discussão é muito mais profunda, porque vem de outro fator que também se reflete em sala de aula, que é a questão familiar. O esvaziamento do papel dos pais na educação dos filhos, não só por negligência, mas também pela maior atuação deles no mercado de trabalho e também pela nova formação familiar, não exclusivamente pai-mãe, mas mães somente, pais somente, avós somente, irmãos somente, ou seja, uma única pessoa responsável pelo sustento e pela educação da criança. Todos esses fatores que contribuem para o esvaziamento da presença da família na educação e amplia o papel do professor com relação à criança – educação formal, informal, supressão de carências e atenções. Um(a) segundo(a) pai-mãe? Uma missão, sem dúvida. Quem vai querer?

E é isso. Os professores não estão querendo. Até porque, além do papel ampliado em sala de aula, deparam-se com alunos – crianças, adolescentes, jovens – complexos, frutos de famílias nem sempre estruturadas, vivendo em uma sociedade estimulada por meios digitais e por atos de consumo e, ainda, muitas vezes, sendo desconhecedores de limites, noções de respeito ao outro. Somada a isso, a histórica trajetória de desvalorização e sucateamento da carreira do professor, o adoecimento físico e mental que esses aspectos provocam.
Quem vai querer? Ninguém, ou poucos resistentes, está querendo, e nossas crianças estão sofrendo de uma dupla orfandade, um abandono por parte da família e agora um abandono por parte dos professores. Muitos pais já desistiram delas. Professores, não vamos também desistir das nossas crianças.

(*) Notas de uma futura professora.


[1] MUZZI, Luiza. Baixa procura e evasão acendem alertas na UFMG. Jornal O Tempo, Belo Horizonte, 18 maio 2015. Cidades. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/baixa-procura-e-evas%C3%A3o-acendem-alerta-em-licenciaturas-na-ufmg-1.1040448>. Acesso em: 24 maio 2015.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Adeus no dia do fim*

Um set list enorme, quase infinito, se o infinito pudesse existir caso nós não o limitássemos tanto. Até reflexões desse tipo cabiam naquele dia, em que a palavra fim ecoava em paredes, cadeiras, vozes, olhares, cumprimentos e, principalmente, sons. Esquisito pensar que era a última vez de tudo. Fazer o mesmo de sempre, coisa que já entediou tanto e, naquela última vez, chegava com a vontade “infinita” de eternizar. Como eternizar? Congelar o momento? Não deixar acontecer? Segurar com as mãos o tempo e os fatos que vão passando e ignorando vontades? Evitar um fim?

Ele tinha chegado e era naquele dia. Tantos recados já vindos por causa das ondas. Não dava para pensar em cada um, só nos que tinham se apropriado dos pensamentos do dono dos pensamentos. Casos até de vidas mudadas por causa de uma música. Ou vidas aconchegadas por uma trilha entre um caminho e outro. Uma vez, algumas vezes ou todos os dias da semana. Tanto poder apenas com alguns botões à frente e um conhecimento sobre música que, de razoável, passou a bom e depois a bem amplo. E, assim, sobre corações.

Como poderia o dia do fim ser inesquecível e infinito? Tinha de ser um dia marcante. Principalmente para quem estava sentado ali há tantos anos, fazendo o mesmo. Muitas vezes o que saiu daquela mesa de operação, tão mecânica e impessoal, era o reflexo perfeito ou quase de quem estava atrás dela. Despedidas, lutos, encontros, nascimento dos filhos, separações, reconciliações e conquistas práticas: carro novo, casa, cursos, andar de bicicleta. Não só a vida de quem ouvia era marcada a cada dia de trilha. Atrasada constatação.

Ainda que último, o dia do fim era de trabalho. Uma programação tinha de sair daquela mesa. Um bom dia, uma boa tarde, uma boa noite. Ainda era preciso conversar com quem estava do outro lado, com a voz bonita. Não deixar perceber o embargo, a tristeza que está chegando já há alguns dias. Esse era o mantra. Porque música é sentimento, a voz é uma aproximação. No dia do fim, a chegada ao pé do ouvido ouvinte tinha de ser a melhor. A melhor daqueles mais de dez anos ao lado de tanta gente anônima, bordando histórias, rotinas e desejos.

Pensar nunca foi tão difícil. Era como impossível diante de tantas informações que assumiam o controle da mente, do corpo, das mãos e dos ouvidos. Dessa vez, era o próprio o coração partido. Como viver a partir daqui? Era custoso o exercício de receber de mãos abertas o mundo vazio que agora estava mais perto que na semana anterior.

Minutos passando, botão no automático. Ainda sem colocar a marca no dia do fim. Pés para o alto na mesa, pernas cruzadas, olhar perdido mirando uma salinha solitária e fechada na maioria das vezes, onde o tédio já passou e ficou por horas. E tudo o que fosse vontade agora era de nunca mais sair daquele lugar.

Por fim, uma conclusão. De talvez não ser a melhor, mas ser a própria trilha. Era a única forma de não ser esquecido, de deixar uma marca no dia do fim. Seleção de músicas muito bem-vindas na vida de quem estava por trás da mesa, mesmo quem nem todas o fossem para a rádio. Computador, pesquisa, memória, celular, minha playlist. Tudo foi sendo desengavetado na velocidade do som. Não da luz. Quem inventou o conceito de brega?

De todo esse esforço pessoal e tecnológico, foi saindo uma lista duvidosa. Os ouvintes jamais iriam se esquecer do dia do fim. “Despedida”, do Robertão, “Pra dizer adeus”, dos Titãs, “Um dia, um adeus”, do Guilherme Arantes... Um pouco de música internacional... Ah, Elvis, claro. “Always on my mind”. Elton John, “Goodbye yellow brick road”. Beatles... “Hello, goodbye”. E Bon Jovi: “Never say goodbye”. Deu uma parada na busca e olhou o elenco incrível que tinha juntado. Era um sonho, uma utopia. Hoje era o seu dia. Ao ouvir uma a uma, foi impossível segurar os olhos e a respiração, mãe da fala. Já não era hora de falar, mas de fechar o microfone pela última vez e apertar o play. “Não aprendi a dizer adeus”.

(*) À rádio Guarani, que me acompanhou em dias felizes e em outros nem tanto. Minha história tem você.

Foto: Creative Commons

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Revendo o poeta

A gente passa a vida procurando alguém que caiba nos nossos sonhos ou é a gente que não cabe nos sonhos de ninguém?