quinta-feira, 30 de abril de 2009

Brilho para além de Che


Quando soube que estava para estrear um novo filme sobre Che Guevara, fiquei eufórica. Sempre falo abertamente que sou fã dele. Não é febre adolescente. Quando passei a ser fã mesmo de Che, a adolescência já havia passado há tempos. Primeiro, comecei a gostar porque acho ele bonito. Ok, não me olhem torto... É verdade. Acho ele bonito e ponto. Depois, porque, como amo história, estudei a Revolução Cubana e a participação de Che nela. Em seguida, comecei a correr atrás de informações sobre Che e, assim, foi. Fui gostando daquele sujeito, que pode até ter sido frio e violento em muitas situações, mas correu atrás do que acreditava.

Já tinha ficado feliz com o filme "Diários de motocicleta", de 2004, dirigido por Walter Salles e que tem Gael García Bernal no papel de Che. Achei muito bom, mas coloca o argentino revolucionário como quase um santo. Não gosto dessas coisas, nem quando se trata de Che Guevara. Acho que, por isso, gostei mais de "Che - O argentino", que acaba de estrear em BH. Dirigido por Steven Sorderbergh e que tem Benicio Del Toro encenando Che, Démian Bichir, como Fidel Castro, e Rodrigo Santoro, como Raul Castro.

Sei que todo mundo tem falado de Benício Del Toro no filme. Também adorei. Achei que ele ficou muito parecido com Che. Tem gente que fala que é igual, mas, como já pesquisei muito sobre Che, vejo muitas, muitas diferenças. Só para ser detalhista, vou falar da protuberância na região frontal, acima da sobrancelha, que Che tinha e Benício não tem. Rs. Brincadeiras à parte, reconheço que a figuração feita no Benício ficou muito boa e que ele representa bem o líder guerrilheiro.

Mas, engraçado como são as coisas, não foi o Benício que me chamou mais atenção no filme. Muito menos o Rodrigo Santoro. Foi Demián Bichir, que fez o papel de Fidel Castro. Ele não aparece muito no filme, mas, quando aparece... destrói (na minha opinião). Nossa, achei excelente, excelente, excelente. Não conhecia esse ator, mas, agora, estou fã dele. Ele fez um Fidel Castro seco, de palavras firmes, voz baixa, que não se exalta e não espera a resposta do ouvinte. Simplesmente fala e, nisso, é obedecido em tudo.

Pela primeira vez, tive noção da importância de Fidel Castro na estratégia dos guerrilheiros para tomar Havana e fazer a revolução. Como muitas pessoas, eu também aumentava a importância de Che Guevara no processo. Quando se vê o filme, o que fica claro é que Fidel era quem ditava as regras, sem quê nem por quê. Che obedecia, como um bom soldado. Impressionante. Até a primeira parte do filme, Che não era o cabeça da estratégia, era submisso às ordens de Fidel, assim como seu irmão Raul também era.

Confio um tanto bom nessa versão porque a supervisão histórica do filme foi feita por um dos maiores biógrafos de Che Guevara, o jornalista norte-americano John Lee Anderson, que pesquisou demais para escrever os livros que escreveu sobre Che e foi um dos responsáveis pela descoberta do local onde estavam enterrados os ossos do guerrilheiro. Ou seja, ele sabe muito mais que eu e 99% dos espectadores de Che Guevara!

Agora, aguardo para ver a continuação. É. O filme, na verdade, tem quatro horas. O que estreou foi só a primeira parte. A segunda, "Che - A guerrilha", ainda não tem data para estrear. Um pouco de paciência, já que, em BH, a primeira parte só estreou um mês depois de RJ e SP.

Como falei pouco de Benício/Che, vou dar um espacinho aqui para ele. Achei interessante a forma como o diretor traz o guerrilheiro. Primeiro, como médico interessado em mudar uma situação que não estava boa para ninguém (a ditadura de Fulgêncio Batista, em Cuba, e o mandonismo e exploração dos EUA em cima da ilha). Depois, como alguém que se envolve na causa e se preocupa em organizar, em mostrar que as coisas têm que ser feitas de forma pensada para dar certo. É o homem que pensa na formação social, organizacional e intelectual das pessoas que estão envolvidas no processo da revolução. Depois, como guerrilheiro que não quer sair do front de batalhas por nada.

Tem passagens engraçadas e outras muito interessantes. Chamou a minha atenção a importância que Che dava para a alfabetização. Em um momento em que está recrutando camponeses para a luta, pergunta quem sabe ler e escrever. A minoria sabia. Então, ele fala que um povo precisa saber ler e escrever porque, quando não sabe, é facilmente enganado. Convite para se pensar.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Diário de dores

Já tem um tempo que estou querendo compartilhar aqui com vocês comentários sobre um livro que li recentemente, que se chama “Uma mulher em Berlim: diário dos últimos dias de guerra (20/04/1945 a 22/06/1945)”, da Editora Record. A primeira coisa que chama a atenção no livro é o autor: não tem autor, ou melhor, o autor é anônimo. Aparece assim mesmo na capa. No lugar do nome do autor, está escrito “Anônimo”. Tem explicação.
A história do livro é a seguinte. Uma mulher, que morava em Berlim na reta final da Segunda Guerra Mundial, relata em seu diário o cotidiano na cidade logo depois da chegada dos russos, que trazem destruição e massacram tudo o que encontram pela frente, seja vivo ou não. A mulher teria pedido para que seu nome fosse preservado para evitar constrangimentos diante da sociedade devido às coisas que ela conta no texto.
Na verdade, acho que a autora poderia ficar constrangida, sim, quando saísse de casa e desse bom dia ao vizinho e pensasse que ele poderia ter lido o livro. Então, possivelmente, esse vizinho saberia que ela foi estuprada dezenas de vezes e em sequência, que tinha que barganhar favores em muitas situações para conseguir se alimentar ou tinha que “furtar” para não passar mais fome ainda. Que foi uma quase escrava dos soldados russos, mas que nem se importava com isso quando eles levavam um pouco de comida para a casa em que morava.
O furtar acima veio entre aspas porque, na situação relatada pela autora, é difícil dizer se o que as pessoas que estavam lá faziam era furto mesmo, na concepção condenável que tem a palavra. Estavam no extremo do desespero, da miséria, da dor, da violência e da falta de esperança, no mínimo. O relato da autora dá bem a impressão de “não há mais nada a se fazer”. Não há mais nada a se fazer, a não ser ser estuprada (consentidamente?), furtar, mentir, ignorar a dor do outro, comer coisas que, em outros momentos, jamais se pensaria, como urtiga e carne de cavalo.
É um livro pesado, denso, doloroso. Os homens eram mortos, as mulheres, humilhadas. Como sempre, nas brigas idiotas que os governantes arrumam, quem padece é a população civil. A história dessa mulher alemã mostra isso. Não interessa se ela era nazista, se não era, se era comunista... Isso não é o problema.
Ela era a funcionária de uma editora de livros, que, de repente, teve a vida destruída, passou a viver comunitariamente na ruína de uma das poucas casas que restaram, tinha que pegar rações diárias de comida para sobreviver, perdeu a saúde, a alegria. Vivia para não morrer, não para viver. Da vida que tinha antes, mal, mal, tinha lembranças. A dor, a mágoa, a frieza que ela expressa na reta final do livro, as últimas páginas escritas do diário, mostram que os valores se dissolveram, que nada tinha mais importância.
Assusta? Sim, mas não tem jeito de ser diferente. Tem como se esperar sentimentos de bondade, alegria, perdão etc. de pessoas que passaram por todas as crueldades de uma guerra, principalmente de quem estava no país dos perdedores quando os vencedores chegaram destruindo tudo? O livro provoca reflexões. Ainda mais para se repensar a situação dos alemães naquele momento. Não eram todos uns filhos da mãe que odiavam judeus. Havia pessoas normais, que trabalhavam, namoravam, estudavam e passeavam, assim como eu e você.