terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ainda sobre pássaros

Como a história dos pássaros vem rendendo, peço licença ao Rubem Alves para publicar este lindo texto dele (ao qual me referi no primeiro texto, "Que pássaro?"). Vale muito a pena ler, gente. É lindo! Espero que gostem!

A menina e o pássaro encantado - Rubem Alves

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.

5 comentários:

  1. Estimada escritora, como as letras têm um poder envolvente, não? Principalmente quando elas, bem casadas, como flechas de um arco, entram pelos olhos daquele que as observa, e atingem sua alma. E lá dentro da gaiola que se chama corpo, um a um, vão dando nome aos pensamentos, às perguntas, respostas nem sempre, desejos frequentemente.Às vezes elas são notícias de jornal, outras vezes nos tiram lágrimas de emoção simplesmente porque, juntinhas, formaram uma bela história registrada num livro virtual para durar para sempre ou não, não sendo isso um problema. Em alguns casos têm o codinome poesia. E verdade é que, nessa forma, elas dão poder à palavra e a quem quiser compartilhá-la, o poder abrir uma gaveta no tempo, e escrever, e guardar, e eternizar tudo o que se vive, tudo que se sente, tudo aquilo que respira.

    Gosto de te ler!

    Marcos

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  2. Eu, a escritora??? Depois desse seu texto acima, Marcos, fico até com vergonha de escrever mais aqui... Rs... Também me fascina a forma como certos escritos nos atingem como flecha... Tem uma música do Milton (amo o Milton) que diz:
    "Certas canções que ouço
    Cabem tão dentro de mim
    Que perguntar carece
    Como não fui eu que fiz?"
    Acho que isso diz tudo. Você já teve essa sensação de pegar um texto ou ouvir uma música e pensar: "nossa, encaixa direitinho no que penso ou no que sinto. Parece que foi escrita para mim?". Ainda bem que temos as palavras, que nos permitem expressar os sentimentos e, assim, tornar o mundo mais compreensivo e, muitas vezes, mais belo.
    Obrigada por estar sempre aqui, pensando junto comigo.
    Bjo!

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  3. Oi Cláudia,
    Deixa eu te contar uma coisa,da primeira vez que li o texto "Que pássaro", não consegui comentar nada....depois veio a poesia, linda, inquietante e mais uma vez me faltaram palavras, mas o silêncio externo contrastava (e muito) com as vozes internas....
    Hoje li novamente os textos e fiquei pensando,todos os pássaros tem asas, mas nem todos podem voar....então, basta ter asas? Liberdade... palavra tão falada, tão escrita, tão cantada e onde ela está?! Como não podia deixar de ser, cito a Clarice, que acho, consegue expressar o que senti quando li estes textos:
    "Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim."

    Obrigada por este espaço de pensar e de sentir junto, é muito bom!!!!
    Bjo!

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  4. E é muito bom, Paolla, ter vocês pensando junto comigo. Me sinto enriquecida a cada vez que vocês escrevem... De verdade. A doação de vocês é um presente para mim.
    Linda, sobre os pássaros, o que penso é que não basta que tenham asas, não. Eles têm que querer voar e acho que, para quererem, eles têm que ter uma motivação. Você viu o filme "Rio", a animação, que, inicialmente, é voltado para o público infantil? Então, lá tem um papagaio que tem asas e tem medo de voar. Só perde o medo quando encontra uma motivação. Acho que a vida é assim. Precisamos de ânimo para ir à frente, para voar, para caminhar, para acordar, para tudo na vida.
    Um beijo enorme!
    (OBS.: Clarice é incrível mesmo!)

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  5. Oi Cláudia,
    Obrigada!
    Não vi o filme Rio, mas acredito que a motivação é importante sim,em tudo!
    Grande abraço!

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