À espera do segundo ônibus que me levaria para a praia de Gaibu, que fica a quase duas horas de Boa Viagem, alguns personagens ajudavam a fazer o tempo passar. O homem do suco de cana, que trocou a engenharia pelo seu próprio engenho, o taxista que “aluga” o cartão do Vem, que é o passe dos coletivos de Recife, e a moça esperta que compra a garapa do amigo engenheiro e dono de engenho. Todos ficam, então, “arretados” com o homem que passa rente ao meio-fio, à frente de uma mulher, e diz, em alto e bom som, com voz grave e sem nenhuma gentileza: “bora, mulher! Anda!”. A moça esperta: “ah, se marido meu fala assim comigo...”. E os dois homens que estavam no ponto acham absurdo o trato, afirmam que afirmam que a mulher é que tem de gritar com o homem, mandar no homem. Essas coisas.
A história acabaria assim se o tal marido não voltasse em minutos para comprar um lanche para a mulher, que continuava andando atrás dele. “Ela tá com fome. Dê um desse aí pra ela”. A mulher, de quem eu não ouvi a voz, só um miadinho bem baixo e indecifrável, se senta, come a coxinha, fuma um cigarro, e o marido só assiste a isso, depois de pagar o lanche. O ônibus chega, a fila se forma. Eu fico por último, esperando todo mundo se acomodar para entrar. O marido para na porta do ônibus e faz um bloqueio para que as mulheres entrem primeiro. Olha pra mim, no final da fila, e diz: “você não vem, não, moça?”. Eu digo que sim, mas que estava esperando a fila. Ele: “não, pode entrar, eles esperam”. Ok, entrei. E eles esperaram mesmo, sem reclamar.
Chegamos a Gaibu. Cada um vai pra seu lado. Sento em uma cadeira bem na frente da praia, peço um arrumadinho e um suco. Não tem, vem Coca-Cola mesmo. Quando estou terminando, o marido e a mulher que mia chegam. Sentam-se à minha frente. Ele logo para um vendedor de camarão, compra uma porção, que vem num potinho pequeno de plástico. Ele diz: “não, me dê esse outro aí”. Queria aquele maior, que é quase um pratinho mais fundo. Tira tudo do potinho menor, vira no maior, que o vendedor lhe deu, calado, sem reclamar, e diz: “pronto, agora vai ficar tudo bonitinho, arrumadinho”, com toda satisfação.
Continuo sem ouvir a voz da mulher, somente miados bem distantes. O marido pergunta que cerveja ela quer. Ao ouvir a resposta, pede uma Skol – imagino que tenha sido o que ela falou. Depois, vira-se já para outro vendedor, de caldinho dessa vez. Pede um. Custa R$ 5, mas ele diz que vai pagar R$ 2. O vendedor aceita. Não só isso. O marido pede, ainda, pimenta, azeite e molho de alho. Coloca no caldinho – que também é para a mulher – e na porção de camarão. O vendedor só olha e não reclama.
Pronto, comidas postas à mesa e temperadas, harmonizadas com cerveja. Vendedores afastados, uma vista de encher os olhos e o barulho do mar. Hora de namorar. Ele coloca camarão na boca dela. Ela repete o gesto. E, entre um camarão e outro, trocam beijinhos na boca. Continuo sem saber qual era a voz dela e, cansada de espiar o casal e tentar entender aquele homem, levanto, pago o arrumadinho e a Coca, vou embora. Sei só que eu, a mulher, a fila de homens e os três vendedores, todos nós obedecemos ao marido. E ainda não sei o porquê.
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