Saí pensativa ontem de uma palestra na UFMG sobre o letramento crítico em língua estrangeira. Que é a possibilidade de, ao passar conteúdos de outros idiomas para os alunos, não se limitar a falar de viagens e comidas, filmes ou turismo, como é o mais comum de a gente ver por aí, especialmente nos livros de idiomas. Dois professores ministraram a palestra, ambos são de língua inglesa. Procuravam formas de valorizar o momento com os alunos, levar, em idioma estrangeiro, questões de cidadania, de direitos humanos, de igualdade de gêneros, de sexualidade, de homossexualidade, de racismo, de machismo... Esses assuntos que muitos professores evitam em sala ou até são proibidos de falar deles em determinadas instituições, presas que são ao conteúdo formal ou mesmo por escolha. Evitar polêmica e conflito é sempre mais fácil.
Mas esses dois professores estão lá, assim como muitos outros, nem todos em ambiente universitário, em jornadas quixotescas em busca de uma educação crítica, cidadã, humana ou humanizada, menos alienada. Além de estarem lá, tentam fazer diferente. São educadores. E isso me faz lembrar do tanto que essas atitudes estão se extinguindo. Não é culpa do profissional que opta pela educação. São tantos desestímulos que exigir do professor que ele se mantenha professor é muito e não é justo.
Na semana passada mesmo, a divulgação do dado de que a procura pelos cursos de licenciatura na UFMG caiu 90% em uma década, sendo que a evasão no curso de Matemática – a maior – é de 50%, é representativa, embora possa ter passado batida por muita gente[1]. Quer isso quer dizer que os alunos que estão ingressando na universidade não querem ser professores. As pessoas, em geral, não querem ser professores. Não querem, fogem disso.
Não era para ser um dado a passar batido entre leitores, entre a sociedade. A gravidade é tanta que, continuando nesse ritmo, em cinco anos, não deverá haver mais ingressos em cursos de licenciatura. Sim, e os professores atuais, os que permanecerem, e os que estão em formação, se continuarem, vão envelhecer, vão se aposentar, vão morrer. E quem vai enfrentar as salas de aulas? E quem vai assumir o ensino para as nossas crianças?
A discussão é muito mais profunda, porque vem de outro fator que também se reflete em sala de aula, que é a questão familiar. O esvaziamento do papel dos pais na educação dos filhos, não só por negligência, mas também pela maior atuação deles no mercado de trabalho e também pela nova formação familiar, não exclusivamente pai-mãe, mas mães somente, pais somente, avós somente, irmãos somente, ou seja, uma única pessoa responsável pelo sustento e pela educação da criança. Todos esses fatores que contribuem para o esvaziamento da presença da família na educação e amplia o papel do professor com relação à criança – educação formal, informal, supressão de carências e atenções. Um(a) segundo(a) pai-mãe? Uma missão, sem dúvida. Quem vai querer?
E é isso. Os professores não estão querendo. Até porque, além do papel ampliado em sala de aula, deparam-se com alunos – crianças, adolescentes, jovens – complexos, frutos de famílias nem sempre estruturadas, vivendo em uma sociedade estimulada por meios digitais e por atos de consumo e, ainda, muitas vezes, sendo desconhecedores de limites, noções de respeito ao outro. Somada a isso, a histórica trajetória de desvalorização e sucateamento da carreira do professor, o adoecimento físico e mental que esses aspectos provocam.
Quem vai querer? Ninguém, ou poucos resistentes, está querendo, e nossas crianças estão sofrendo de uma dupla orfandade, um abandono por parte da família e agora um abandono por parte dos professores. Muitos pais já desistiram delas. Professores, não vamos também desistir das nossas crianças.
(*) Notas de uma futura professora.
[1] MUZZI, Luiza. Baixa procura e evasão acendem alertas na UFMG. Jornal O Tempo, Belo Horizonte, 18 maio 2015. Cidades. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/baixa-procura-e-evas%C3%A3o-acendem-alerta-em-licenciaturas-na-ufmg-1.1040448>. Acesso em: 24 maio 2015.
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