Era algum ano de dois mil e alguma coisa. Era a primeira vez que eu cobria a parada de 7 de setembro. Nunca fui ligada a celebrações oficiais, apesar de ter vivido as disciplinas de Moral e Cívica e Integração Social na escola. Quando fui, então, ver o desfile pela primeira vez, eu já tinha vinte e alguma coisa. Já era por ossos do ofício de jornalista. Nada agradável e feliz levantar domingo cedo para trabalhar, com aquela brisa de pós-agosto batendo forte na nuca e nas orelhas.
A avenida Afonso Pena toda fechada, esperando os carros antigos e novos das corporações e instituições. A multidão começava a se juntar. E eu pensando: “curioso isso, as pessoas gostam mesmo de ver o desfile”. Era atrás dessas pessoas que eu estava. Crianças, jovens, adultos, idosos, homens, mulheres. Quem veio de longe, quem era de perto. Muita gente que já tinha visto a parada, gente que nunca viu, que estava lá pela primeira vez, e gente que vai todo o ano, religiosamente. Eu não estava em nenhum dos casos, porque estava pela primeira vez não para ver, mas sentir. Sentir o sentimento do outro. Como jornalista, vivi isso muitas vezes, busquei outras tantas.
Começa o desfile. Carros e mais carros, fardas e mais fardas, condecorações, o palco das autoridades. Veteranos, novatos. Todo mundo lá celebrando a Independência do Brasil. Crianças com olhar vidrado e olhares vidrados como se de crianças fossem. Algumas corporações ganhavam mais atenção, outras menos. E só uma foi aplaudida do início ao fim, o Corpo de Bombeiros. Com seus carros vermelhos, seus integrantes corajosos. Homens que ocupam o papel de herói no país carente de heróis, nação sempre em busca de heróis e que tem falsos heróis fabricados a todo o momento. No país que é traído por seus heróis, que sofre as mais tristes manobras em benefício de alguém que não seja o povo.
Sem pedir para ser, sem forçar ser, os bombeiros são esses verdadeiros heróis. Para quem nunca viu o magnetismo das pessoas pelos bombeiros, isso tudo pode parecer conversa de um texto qualquer. Comprovar que não é conversa é fácil, o dia 7 de setembro está próximo. E os bombeiros estarão lá e serão os mais aplaudidos mais uma vez. Por quê? Porque, verdadeiramente, eles dão a vida pelas pessoas anônimas, desconhecidas, sem olhar a cor da pele ou o saldo bancário ou a beleza estética. São perfeitos? Não, são homens, e o fato de serem humanos os torna ainda mais especiais e heróis. Heróis sem superpoderes, mas de supercorações. Parabéns a vocês, homens de supercorações, pelo dia de hoje!
Pensar junto, às vezes, é melhor que pensar sozinho. Há ocasiões em que a gente pensa e sente vontade de compartilhar o pensamento com alguém. Por isso, então, pensaremos juntos! Para dividir ideias, emoções e pensamentos.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
sábado, 30 de maio de 2015
De aniversário
Cheguei aos 35 anos. É metade de 70! Será que vivo até os 70? Como serão os próximos 35 é algo tão insondável como era insondável pensar no que foram esses velozes 35. Sei de nada não. Só que estudei, trabalhei, viajei, fiz amigos, que amigos!, assumi "missões" de vida, amei duas vezes, perdi as contas de quantas vezes me apaixonei e de quantos "homens da minha vida" eu encontrei. Muitos nem sonham com isso, rsrsrsrs. Me despedi muitas vezes, tentando soldar à minha vida aquilo que já não era dela. Mas tudo é aprendizado.
Tenho meus pais ao meu lado, meus irmãos, meus quatro afilhados, uma criança apadrinhada e uma família bacana, carinhosa e alegre, com os mesmos desencontros que fazem as famílias serem famílias. Na casa onde vivo, somos quatro: eu e meus três gatinhos. Na verdade, a casa é deles. Aceitei há alguns anos ser apenas uma visitante. Mas sinto que eles me amam e querem a permanência dessa hóspede meio negligente.
Não tenho o que me queixar do envelhecer. Tem sido generoso comigo e, aos 35 anos, me gabo de não ter cabelos brancos, o que permite que eu mantenha longos cabelos - acho que não combina cabelo grande com cabelo grisalho, mas isso é de cada um, e não curto pintar cabelo, e isso também é de cada um. Só para contrariar, ontem, reparando bem, vi que surgiu um cabelinho branco... Na sobrancelha. Que coisa, né? Mas de fácil conserto. Posso vencê-lo com uma arma pequena, leve e portátil chamada pinça. Se não, jogo um lápis para dar aquela coloridinhha.
O corpo vai mudando, mas a gente vai ficando mais feliz. Coisa esquisita. Acho que o se cobrar menos faz um bem danado para a vida. O muay thai foi ótimo para o meu corpo e para a minha mente, por isso tenho como meta voltar o mais breve possível à arte marcial do meu coração. Só passar a fase louca de transição que estou vivendo, para conhecer melhor a minha nova rotina (rotina???).
Não sei porque esta confissão. Na verdade, começou porque eu queria dizer que, se eu tiver algo de bom, eu tenho porque encontrei pessoas no meu caminho que fazem presença e diferença na minha vida "real" e por aqui também; para mim, as duas estão juntas, irremediavelmente. E que todo o carinho que eu recebi de vocês ontem, pelo aniversário e em muitos 365 dias da vida, fazem com que eu queira viver os próximos e próximos 35 anos para poder ter a chance de abraçá-los muitas vezes, trocar coisas boas com vocês, aprender sempre com o que de bom me trazem. E nunca me esquecer de agradecer por tudo. Obrigada, gente! A atenção de vocês ontem me deixou muito feliz, ter vocês é uma dádiva. Beijo, com amor, carinho e gratidão.
Tenho meus pais ao meu lado, meus irmãos, meus quatro afilhados, uma criança apadrinhada e uma família bacana, carinhosa e alegre, com os mesmos desencontros que fazem as famílias serem famílias. Na casa onde vivo, somos quatro: eu e meus três gatinhos. Na verdade, a casa é deles. Aceitei há alguns anos ser apenas uma visitante. Mas sinto que eles me amam e querem a permanência dessa hóspede meio negligente.
Não tenho o que me queixar do envelhecer. Tem sido generoso comigo e, aos 35 anos, me gabo de não ter cabelos brancos, o que permite que eu mantenha longos cabelos - acho que não combina cabelo grande com cabelo grisalho, mas isso é de cada um, e não curto pintar cabelo, e isso também é de cada um. Só para contrariar, ontem, reparando bem, vi que surgiu um cabelinho branco... Na sobrancelha. Que coisa, né? Mas de fácil conserto. Posso vencê-lo com uma arma pequena, leve e portátil chamada pinça. Se não, jogo um lápis para dar aquela coloridinhha.
O corpo vai mudando, mas a gente vai ficando mais feliz. Coisa esquisita. Acho que o se cobrar menos faz um bem danado para a vida. O muay thai foi ótimo para o meu corpo e para a minha mente, por isso tenho como meta voltar o mais breve possível à arte marcial do meu coração. Só passar a fase louca de transição que estou vivendo, para conhecer melhor a minha nova rotina (rotina???).
Não sei porque esta confissão. Na verdade, começou porque eu queria dizer que, se eu tiver algo de bom, eu tenho porque encontrei pessoas no meu caminho que fazem presença e diferença na minha vida "real" e por aqui também; para mim, as duas estão juntas, irremediavelmente. E que todo o carinho que eu recebi de vocês ontem, pelo aniversário e em muitos 365 dias da vida, fazem com que eu queira viver os próximos e próximos 35 anos para poder ter a chance de abraçá-los muitas vezes, trocar coisas boas com vocês, aprender sempre com o que de bom me trazem. E nunca me esquecer de agradecer por tudo. Obrigada, gente! A atenção de vocês ontem me deixou muito feliz, ter vocês é uma dádiva. Beijo, com amor, carinho e gratidão.
domingo, 24 de maio de 2015
Não vamos desistir*
Saí pensativa ontem de uma palestra na UFMG sobre o letramento crítico em língua estrangeira. Que é a possibilidade de, ao passar conteúdos de outros idiomas para os alunos, não se limitar a falar de viagens e comidas, filmes ou turismo, como é o mais comum de a gente ver por aí, especialmente nos livros de idiomas. Dois professores ministraram a palestra, ambos são de língua inglesa. Procuravam formas de valorizar o momento com os alunos, levar, em idioma estrangeiro, questões de cidadania, de direitos humanos, de igualdade de gêneros, de sexualidade, de homossexualidade, de racismo, de machismo... Esses assuntos que muitos professores evitam em sala ou até são proibidos de falar deles em determinadas instituições, presas que são ao conteúdo formal ou mesmo por escolha. Evitar polêmica e conflito é sempre mais fácil.
Mas esses dois professores estão lá, assim como muitos outros, nem todos em ambiente universitário, em jornadas quixotescas em busca de uma educação crítica, cidadã, humana ou humanizada, menos alienada. Além de estarem lá, tentam fazer diferente. São educadores. E isso me faz lembrar do tanto que essas atitudes estão se extinguindo. Não é culpa do profissional que opta pela educação. São tantos desestímulos que exigir do professor que ele se mantenha professor é muito e não é justo.
Na semana passada mesmo, a divulgação do dado de que a procura pelos cursos de licenciatura na UFMG caiu 90% em uma década, sendo que a evasão no curso de Matemática – a maior – é de 50%, é representativa, embora possa ter passado batida por muita gente[1]. Quer isso quer dizer que os alunos que estão ingressando na universidade não querem ser professores. As pessoas, em geral, não querem ser professores. Não querem, fogem disso.
Não era para ser um dado a passar batido entre leitores, entre a sociedade. A gravidade é tanta que, continuando nesse ritmo, em cinco anos, não deverá haver mais ingressos em cursos de licenciatura. Sim, e os professores atuais, os que permanecerem, e os que estão em formação, se continuarem, vão envelhecer, vão se aposentar, vão morrer. E quem vai enfrentar as salas de aulas? E quem vai assumir o ensino para as nossas crianças?
A discussão é muito mais profunda, porque vem de outro fator que também se reflete em sala de aula, que é a questão familiar. O esvaziamento do papel dos pais na educação dos filhos, não só por negligência, mas também pela maior atuação deles no mercado de trabalho e também pela nova formação familiar, não exclusivamente pai-mãe, mas mães somente, pais somente, avós somente, irmãos somente, ou seja, uma única pessoa responsável pelo sustento e pela educação da criança. Todos esses fatores que contribuem para o esvaziamento da presença da família na educação e amplia o papel do professor com relação à criança – educação formal, informal, supressão de carências e atenções. Um(a) segundo(a) pai-mãe? Uma missão, sem dúvida. Quem vai querer?
E é isso. Os professores não estão querendo. Até porque, além do papel ampliado em sala de aula, deparam-se com alunos – crianças, adolescentes, jovens – complexos, frutos de famílias nem sempre estruturadas, vivendo em uma sociedade estimulada por meios digitais e por atos de consumo e, ainda, muitas vezes, sendo desconhecedores de limites, noções de respeito ao outro. Somada a isso, a histórica trajetória de desvalorização e sucateamento da carreira do professor, o adoecimento físico e mental que esses aspectos provocam.
Quem vai querer? Ninguém, ou poucos resistentes, está querendo, e nossas crianças estão sofrendo de uma dupla orfandade, um abandono por parte da família e agora um abandono por parte dos professores. Muitos pais já desistiram delas. Professores, não vamos também desistir das nossas crianças.
(*) Notas de uma futura professora.
[1] MUZZI, Luiza. Baixa procura e evasão acendem alertas na UFMG. Jornal O Tempo, Belo Horizonte, 18 maio 2015. Cidades. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/baixa-procura-e-evas%C3%A3o-acendem-alerta-em-licenciaturas-na-ufmg-1.1040448>. Acesso em: 24 maio 2015.
Mas esses dois professores estão lá, assim como muitos outros, nem todos em ambiente universitário, em jornadas quixotescas em busca de uma educação crítica, cidadã, humana ou humanizada, menos alienada. Além de estarem lá, tentam fazer diferente. São educadores. E isso me faz lembrar do tanto que essas atitudes estão se extinguindo. Não é culpa do profissional que opta pela educação. São tantos desestímulos que exigir do professor que ele se mantenha professor é muito e não é justo.
Na semana passada mesmo, a divulgação do dado de que a procura pelos cursos de licenciatura na UFMG caiu 90% em uma década, sendo que a evasão no curso de Matemática – a maior – é de 50%, é representativa, embora possa ter passado batida por muita gente[1]. Quer isso quer dizer que os alunos que estão ingressando na universidade não querem ser professores. As pessoas, em geral, não querem ser professores. Não querem, fogem disso.
Não era para ser um dado a passar batido entre leitores, entre a sociedade. A gravidade é tanta que, continuando nesse ritmo, em cinco anos, não deverá haver mais ingressos em cursos de licenciatura. Sim, e os professores atuais, os que permanecerem, e os que estão em formação, se continuarem, vão envelhecer, vão se aposentar, vão morrer. E quem vai enfrentar as salas de aulas? E quem vai assumir o ensino para as nossas crianças?
A discussão é muito mais profunda, porque vem de outro fator que também se reflete em sala de aula, que é a questão familiar. O esvaziamento do papel dos pais na educação dos filhos, não só por negligência, mas também pela maior atuação deles no mercado de trabalho e também pela nova formação familiar, não exclusivamente pai-mãe, mas mães somente, pais somente, avós somente, irmãos somente, ou seja, uma única pessoa responsável pelo sustento e pela educação da criança. Todos esses fatores que contribuem para o esvaziamento da presença da família na educação e amplia o papel do professor com relação à criança – educação formal, informal, supressão de carências e atenções. Um(a) segundo(a) pai-mãe? Uma missão, sem dúvida. Quem vai querer?
E é isso. Os professores não estão querendo. Até porque, além do papel ampliado em sala de aula, deparam-se com alunos – crianças, adolescentes, jovens – complexos, frutos de famílias nem sempre estruturadas, vivendo em uma sociedade estimulada por meios digitais e por atos de consumo e, ainda, muitas vezes, sendo desconhecedores de limites, noções de respeito ao outro. Somada a isso, a histórica trajetória de desvalorização e sucateamento da carreira do professor, o adoecimento físico e mental que esses aspectos provocam.
Quem vai querer? Ninguém, ou poucos resistentes, está querendo, e nossas crianças estão sofrendo de uma dupla orfandade, um abandono por parte da família e agora um abandono por parte dos professores. Muitos pais já desistiram delas. Professores, não vamos também desistir das nossas crianças.
(*) Notas de uma futura professora.
[1] MUZZI, Luiza. Baixa procura e evasão acendem alertas na UFMG. Jornal O Tempo, Belo Horizonte, 18 maio 2015. Cidades. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/baixa-procura-e-evas%C3%A3o-acendem-alerta-em-licenciaturas-na-ufmg-1.1040448>. Acesso em: 24 maio 2015.
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segunda-feira, 27 de abril de 2015
Adeus no dia do fim*
Um set list enorme, quase infinito, se o infinito pudesse existir caso nós não o limitássemos tanto. Até reflexões desse tipo cabiam naquele dia, em que a palavra fim ecoava em paredes, cadeiras, vozes, olhares, cumprimentos e, principalmente, sons. Esquisito pensar que era a última vez de tudo. Fazer o mesmo de sempre, coisa que já entediou tanto e, naquela última vez, chegava com a vontade “infinita” de eternizar. Como eternizar? Congelar o momento? Não deixar acontecer? Segurar com as mãos o tempo e os fatos que vão passando e ignorando vontades? Evitar um fim?
Ele tinha chegado e era naquele dia. Tantos recados já vindos por causa das ondas. Não dava para pensar em cada um, só nos que tinham se apropriado dos pensamentos do dono dos pensamentos. Casos até de vidas mudadas por causa de uma música. Ou vidas aconchegadas por uma trilha entre um caminho e outro. Uma vez, algumas vezes ou todos os dias da semana. Tanto poder apenas com alguns botões à frente e um conhecimento sobre música que, de razoável, passou a bom e depois a bem amplo. E, assim, sobre corações.
Como poderia o dia do fim ser inesquecível e infinito? Tinha de ser um dia marcante. Principalmente para quem estava sentado ali há tantos anos, fazendo o mesmo. Muitas vezes o que saiu daquela mesa de operação, tão mecânica e impessoal, era o reflexo perfeito ou quase de quem estava atrás dela. Despedidas, lutos, encontros, nascimento dos filhos, separações, reconciliações e conquistas práticas: carro novo, casa, cursos, andar de bicicleta. Não só a vida de quem ouvia era marcada a cada dia de trilha. Atrasada constatação.
Ainda que último, o dia do fim era de trabalho. Uma programação tinha de sair daquela mesa. Um bom dia, uma boa tarde, uma boa noite. Ainda era preciso conversar com quem estava do outro lado, com a voz bonita. Não deixar perceber o embargo, a tristeza que está chegando já há alguns dias. Esse era o mantra. Porque música é sentimento, a voz é uma aproximação. No dia do fim, a chegada ao pé do ouvido ouvinte tinha de ser a melhor. A melhor daqueles mais de dez anos ao lado de tanta gente anônima, bordando histórias, rotinas e desejos.
Pensar nunca foi tão difícil. Era como impossível diante de tantas informações que assumiam o controle da mente, do corpo, das mãos e dos ouvidos. Dessa vez, era o próprio o coração partido. Como viver a partir daqui? Era custoso o exercício de receber de mãos abertas o mundo vazio que agora estava mais perto que na semana anterior.
Minutos passando, botão no automático. Ainda sem colocar a marca no dia do fim. Pés para o alto na mesa, pernas cruzadas, olhar perdido mirando uma salinha solitária e fechada na maioria das vezes, onde o tédio já passou e ficou por horas. E tudo o que fosse vontade agora era de nunca mais sair daquele lugar.
Por fim, uma conclusão. De talvez não ser a melhor, mas ser a própria trilha. Era a única forma de não ser esquecido, de deixar uma marca no dia do fim. Seleção de músicas muito bem-vindas na vida de quem estava por trás da mesa, mesmo quem nem todas o fossem para a rádio. Computador, pesquisa, memória, celular, minha playlist. Tudo foi sendo desengavetado na velocidade do som. Não da luz. Quem inventou o conceito de brega?
De todo esse esforço pessoal e tecnológico, foi saindo uma lista duvidosa. Os ouvintes jamais iriam se esquecer do dia do fim. “Despedida”, do Robertão, “Pra dizer adeus”, dos Titãs, “Um dia, um adeus”, do Guilherme Arantes... Um pouco de música internacional... Ah, Elvis, claro. “Always on my mind”. Elton John, “Goodbye yellow brick road”. Beatles... “Hello, goodbye”. E Bon Jovi: “Never say goodbye”. Deu uma parada na busca e olhou o elenco incrível que tinha juntado. Era um sonho, uma utopia. Hoje era o seu dia. Ao ouvir uma a uma, foi impossível segurar os olhos e a respiração, mãe da fala. Já não era hora de falar, mas de fechar o microfone pela última vez e apertar o play. “Não aprendi a dizer adeus”.
(*) À rádio Guarani, que me acompanhou em dias felizes e em outros nem tanto. Minha história tem você.
Foto: Creative Commons
Ele tinha chegado e era naquele dia. Tantos recados já vindos por causa das ondas. Não dava para pensar em cada um, só nos que tinham se apropriado dos pensamentos do dono dos pensamentos. Casos até de vidas mudadas por causa de uma música. Ou vidas aconchegadas por uma trilha entre um caminho e outro. Uma vez, algumas vezes ou todos os dias da semana. Tanto poder apenas com alguns botões à frente e um conhecimento sobre música que, de razoável, passou a bom e depois a bem amplo. E, assim, sobre corações.
Como poderia o dia do fim ser inesquecível e infinito? Tinha de ser um dia marcante. Principalmente para quem estava sentado ali há tantos anos, fazendo o mesmo. Muitas vezes o que saiu daquela mesa de operação, tão mecânica e impessoal, era o reflexo perfeito ou quase de quem estava atrás dela. Despedidas, lutos, encontros, nascimento dos filhos, separações, reconciliações e conquistas práticas: carro novo, casa, cursos, andar de bicicleta. Não só a vida de quem ouvia era marcada a cada dia de trilha. Atrasada constatação.
Ainda que último, o dia do fim era de trabalho. Uma programação tinha de sair daquela mesa. Um bom dia, uma boa tarde, uma boa noite. Ainda era preciso conversar com quem estava do outro lado, com a voz bonita. Não deixar perceber o embargo, a tristeza que está chegando já há alguns dias. Esse era o mantra. Porque música é sentimento, a voz é uma aproximação. No dia do fim, a chegada ao pé do ouvido ouvinte tinha de ser a melhor. A melhor daqueles mais de dez anos ao lado de tanta gente anônima, bordando histórias, rotinas e desejos.
Pensar nunca foi tão difícil. Era como impossível diante de tantas informações que assumiam o controle da mente, do corpo, das mãos e dos ouvidos. Dessa vez, era o próprio o coração partido. Como viver a partir daqui? Era custoso o exercício de receber de mãos abertas o mundo vazio que agora estava mais perto que na semana anterior.
Minutos passando, botão no automático. Ainda sem colocar a marca no dia do fim. Pés para o alto na mesa, pernas cruzadas, olhar perdido mirando uma salinha solitária e fechada na maioria das vezes, onde o tédio já passou e ficou por horas. E tudo o que fosse vontade agora era de nunca mais sair daquele lugar.
Por fim, uma conclusão. De talvez não ser a melhor, mas ser a própria trilha. Era a única forma de não ser esquecido, de deixar uma marca no dia do fim. Seleção de músicas muito bem-vindas na vida de quem estava por trás da mesa, mesmo quem nem todas o fossem para a rádio. Computador, pesquisa, memória, celular, minha playlist. Tudo foi sendo desengavetado na velocidade do som. Não da luz. Quem inventou o conceito de brega?
De todo esse esforço pessoal e tecnológico, foi saindo uma lista duvidosa. Os ouvintes jamais iriam se esquecer do dia do fim. “Despedida”, do Robertão, “Pra dizer adeus”, dos Titãs, “Um dia, um adeus”, do Guilherme Arantes... Um pouco de música internacional... Ah, Elvis, claro. “Always on my mind”. Elton John, “Goodbye yellow brick road”. Beatles... “Hello, goodbye”. E Bon Jovi: “Never say goodbye”. Deu uma parada na busca e olhou o elenco incrível que tinha juntado. Era um sonho, uma utopia. Hoje era o seu dia. Ao ouvir uma a uma, foi impossível segurar os olhos e a respiração, mãe da fala. Já não era hora de falar, mas de fechar o microfone pela última vez e apertar o play. “Não aprendi a dizer adeus”.
(*) À rádio Guarani, que me acompanhou em dias felizes e em outros nem tanto. Minha história tem você.
Foto: Creative Commons
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segunda-feira, 13 de abril de 2015
Revendo o poeta
A gente passa a vida procurando alguém que caiba nos nossos sonhos ou é a gente que não cabe nos sonhos de ninguém?
sexta-feira, 27 de março de 2015
Decerto
Uma faca que não corta me irrita.
Por outro lado, faca com corte, exato e profundo, me causa certa alegria.
Acerto certeiro.
Por outro lado, faca com corte, exato e profundo, me causa certa alegria.
Acerto certeiro.
segunda-feira, 16 de março de 2015
Melhor assim
Sem sair da pauta, mas procurando um ângulo enviesado para falar dela e, assim, tentar ser mais polifônica. Sobre tudo o que se passa, muito o que falar, muito esse que às vezes embola a fala e silencia. Parece ser o caso agora do que acontece por cá. À espera, talvez, de um momento em que seja mais fácil falar com quem não quer ouvir. Hoje, no entanto, a paradinha de reflexão foi sobre a Constituição Federal do Brasil. Muitas e muitas leis. Texto longo, chato, hermético? Não. Só pegar um pouco de paciência que vai. Não precisa ser tudo de uma vez, mas é interessante saber um pouco do conjunto principal de leis que nos rege.
O texto é bonito. Um dos mais modernos textos constitucionais do mundo, humanista, que se pretende universal na questão de tratar de todos, os iguais e os diferentes, que, ainda bem, somos. O apelido, não por acaso, é “Constituição cidadã”. Porque é só pensar que foi redigida e promulgada após um período de silenciamento da sociedade, da mídia, da arte e da cultura, da pessoa, em seus direitos civis e humanos, muitos deles tolhidos. Feita, havia muito a contemplar.
Especificamente, hoje, depois de ler nos jornais a lembrança dele, fui no Capítulo 1 – Dos direitos e deveres individuais e coletivos do Título 3 – Dos direitos e garantias fundamentais. Procurei o tal artigo que cuida da garantia do estado democrático – que, para refrescar, é este em que vivemos, graças à luta travada por aqui, de 1964 a 1985, contra a ditadura militar. Diz ele: “XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Minha paradinha continua, mas agora comigo, sem texto de apoio. Eu e minha memória. Repasso muitos dos cartazes, postagens e gritos de ordem que vi/ouvi ontem na grande manifestação realizada em algumas cidades brasileiras. E o que é a vida... Penso nos limites de outro artigo da nossa Constituição, o da liberdade de expressão (art. IX do mesmo capítulo, do mesmo título), quando me lembro de quem pede intervenção militar (atentado contra ordem constitucional e o estado democrático). Conforme a Constituição, esses deveriam ter sido presos de forma inafiançável, sim? Porém, não houve um movimento sequer nessa direção. Continuaram livres em seus brados, exercendo o direito de livre expressão. Contrariada talvez, concluo, num suspiro (de paciência?, de desânimo?, de resignação?): ainda que assim, melhor assim.
O texto é bonito. Um dos mais modernos textos constitucionais do mundo, humanista, que se pretende universal na questão de tratar de todos, os iguais e os diferentes, que, ainda bem, somos. O apelido, não por acaso, é “Constituição cidadã”. Porque é só pensar que foi redigida e promulgada após um período de silenciamento da sociedade, da mídia, da arte e da cultura, da pessoa, em seus direitos civis e humanos, muitos deles tolhidos. Feita, havia muito a contemplar.
Especificamente, hoje, depois de ler nos jornais a lembrança dele, fui no Capítulo 1 – Dos direitos e deveres individuais e coletivos do Título 3 – Dos direitos e garantias fundamentais. Procurei o tal artigo que cuida da garantia do estado democrático – que, para refrescar, é este em que vivemos, graças à luta travada por aqui, de 1964 a 1985, contra a ditadura militar. Diz ele: “XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Minha paradinha continua, mas agora comigo, sem texto de apoio. Eu e minha memória. Repasso muitos dos cartazes, postagens e gritos de ordem que vi/ouvi ontem na grande manifestação realizada em algumas cidades brasileiras. E o que é a vida... Penso nos limites de outro artigo da nossa Constituição, o da liberdade de expressão (art. IX do mesmo capítulo, do mesmo título), quando me lembro de quem pede intervenção militar (atentado contra ordem constitucional e o estado democrático). Conforme a Constituição, esses deveriam ter sido presos de forma inafiançável, sim? Porém, não houve um movimento sequer nessa direção. Continuaram livres em seus brados, exercendo o direito de livre expressão. Contrariada talvez, concluo, num suspiro (de paciência?, de desânimo?, de resignação?): ainda que assim, melhor assim.
sexta-feira, 13 de março de 2015
Azar de todo o dia
Salada de frutas estragada
Rabanete na salada
Espinho de peixe embrulhado na comida
Café frio de sobremesa
Um gosto de água química na boca
Hoje é sexta-feira 13
Rabanete na salada
Espinho de peixe embrulhado na comida
Café frio de sobremesa
Um gosto de água química na boca
Hoje é sexta-feira 13
quinta-feira, 12 de março de 2015
Aniversário da Mulher
Mesmo sendo data repetida todo o ano, neste foi que eu pensei no aniversário da minha mãe, que é hoje, de uma forma diferente. Foi a primeira vez que olhei com interesse o fato de ser na mesma semana do Dia da Mulher. Talvez por causa do Dia da Mulher tão diferente que tivemos, com um encerramento tão melancólico no Brasil, uma manifestação que deveria ter conotação política, mas que foi tão e somente sexista e provocou reflexões de todo o tipo. Acho que ainda não digeri o Dia da Mulher de 2015 no Brasil. Ao mesmo tempo, não me sinto à vontade para falar especificamente dele. Não sei ainda se estou tão evoluída para acatar determinados retornos que porventura vierem.
Sei que, embora hoje seja o aniversário da minha mãe, não paro de pensar é na função social de mulher que ela exerceu durante toda a vida. Em como, nas atitudes e nas palavras, ela agiu e foi protagonista, sem qualquer intenção de ser ou sem nem saber o que o conceito significaria nesse caso. Somente sendo. Vindo de uma família conservadora e linha dura e saindo para a vida para ser dona do nariz ao cumprir a missão que acreditava ser dela.
Até nos discursos “conservadores”, minha mãe, paradoxalmente, exercia a função social. “Eu quero que vocês se casem e tenham filhos”, dizia, mas emendando: “eu quero que vocês estudem e trabalhem. Ganhem o próprio dinheiro e nunca dependam de homem nenhum”. Crescemos, eu e minha irmã, com palavras assim da nossa mãe ecoando em nossas mentes. Nunca planejamos ou arquitetamos prioritariamente nos casar, mas tínhamos certeza de que iríamos estudar muito, trabalhar, ganhar nosso dinheiro e, Deus queira, jamais depender do dinheiro de ninguém – nem de homem nem de mulher.
Além da função social como mulher, a função social como ser humano/social. Essa, que fez com que muita gente conhecesse a dona Flor. Flor acolhedora, de mão estendida, pronta para dividir o que tem – e o que não tem também, sem problema. Dividir o que tem, sentar ao lado dos pobres, orar pelos doentes, atender sem olhar a quem, priorizar o outro.
É estranho priorizar o outro na sociedade do eu e das senhoras ou senhores que não querem esbarrar em ninguém na poltrona do avião. É estranho porque perdemos a referência do que é valor – se é que já o tivemos algum dia. Não há uma lista fechada do que é valor, mas talvez possamos refletir sobre o que não deve ser valorizado. E uma coisa que eu talvez gostaria que não fosse valorizada é o sentimento de ser melhor que alguém. Retomando até passagens bíblicas que a minha mãe, a dona Flor, sempre gosta de citar: “do pó, foste, ao pó, voltarás”. Não conheço ainda ninguém que não tenha morrido, virado alimento para micro-organismos (para ser elegante na nomenclatura) ou cinza em algum forno de cemitério.
Mas hoje é o aniversário da minha mãe. Este texto era só para dar parabéns à dona Flor e agradecer por ela ter me mostrado, a vida inteira, que eu sou igual a todo mundo e que eu não teria privilégio nenhum com ela, nem mesmo por ser filha, e assim me ensinou a não esperar privilégio nenhum do mundo. Agradecer também por ter me ensinado a ser uma mulher forte, que, embora esteja achando difícil, tenta ignorar os xingamentos recebidos, como mulher, a partir de varandas de apartamentos.
Sei que, embora hoje seja o aniversário da minha mãe, não paro de pensar é na função social de mulher que ela exerceu durante toda a vida. Em como, nas atitudes e nas palavras, ela agiu e foi protagonista, sem qualquer intenção de ser ou sem nem saber o que o conceito significaria nesse caso. Somente sendo. Vindo de uma família conservadora e linha dura e saindo para a vida para ser dona do nariz ao cumprir a missão que acreditava ser dela.
Até nos discursos “conservadores”, minha mãe, paradoxalmente, exercia a função social. “Eu quero que vocês se casem e tenham filhos”, dizia, mas emendando: “eu quero que vocês estudem e trabalhem. Ganhem o próprio dinheiro e nunca dependam de homem nenhum”. Crescemos, eu e minha irmã, com palavras assim da nossa mãe ecoando em nossas mentes. Nunca planejamos ou arquitetamos prioritariamente nos casar, mas tínhamos certeza de que iríamos estudar muito, trabalhar, ganhar nosso dinheiro e, Deus queira, jamais depender do dinheiro de ninguém – nem de homem nem de mulher.
Além da função social como mulher, a função social como ser humano/social. Essa, que fez com que muita gente conhecesse a dona Flor. Flor acolhedora, de mão estendida, pronta para dividir o que tem – e o que não tem também, sem problema. Dividir o que tem, sentar ao lado dos pobres, orar pelos doentes, atender sem olhar a quem, priorizar o outro.
É estranho priorizar o outro na sociedade do eu e das senhoras ou senhores que não querem esbarrar em ninguém na poltrona do avião. É estranho porque perdemos a referência do que é valor – se é que já o tivemos algum dia. Não há uma lista fechada do que é valor, mas talvez possamos refletir sobre o que não deve ser valorizado. E uma coisa que eu talvez gostaria que não fosse valorizada é o sentimento de ser melhor que alguém. Retomando até passagens bíblicas que a minha mãe, a dona Flor, sempre gosta de citar: “do pó, foste, ao pó, voltarás”. Não conheço ainda ninguém que não tenha morrido, virado alimento para micro-organismos (para ser elegante na nomenclatura) ou cinza em algum forno de cemitério.
Mas hoje é o aniversário da minha mãe. Este texto era só para dar parabéns à dona Flor e agradecer por ela ter me mostrado, a vida inteira, que eu sou igual a todo mundo e que eu não teria privilégio nenhum com ela, nem mesmo por ser filha, e assim me ensinou a não esperar privilégio nenhum do mundo. Agradecer também por ter me ensinado a ser uma mulher forte, que, embora esteja achando difícil, tenta ignorar os xingamentos recebidos, como mulher, a partir de varandas de apartamentos.
quinta-feira, 5 de março de 2015
Um certo José Rico*
Demorou um tempo para eu aceitar que o Milionário era o José Rico e o José Rico era o Milionário. Foi acontecendo não com pouca dificuldade. É porque o José Rico tinha cara de Milionário. Quanto ao Milionário mesmo, não tenho tanto a dizer, porque era o José Rico – que, pra mim, deveria ser Milionário – o cara que me chamava a atenção.
Eu gostava de olhar para aquela figura “exótica”. Um cabelo grande simulando ser mal cortado (ou era mal cortado mesmo?), costeletas (!!!), barba que tampava o rosto inteiro, correntes douradas no pescoço, anéis dourados nos dedos, óculos escuros (muito mais que Ray-Ban), roupas coloridas. E, pra completar tudo, uma unhazinha maior pintada de vermelho. Gente, a unha do mindinho. Era uma diversão para uma criança olhar aquilo. “Credo!”. Claro que era isso que eu dizia, mas, no fundo, sendo profundamente atraída pelo bizarro, como costuma ocorrer quando nos deparamos com o bizarro.
Nunca tomei muito conhecimento do Milionário, que era bem mais discreto. Usava apenas um chapéu. Sem barba, sem costeletas, sem a unhazinha vermelha, com os cabelos bem cortadinhos e roupas mais discretas. Acho que eu tinha um pouco de mágoa dele, por ter “roubado” a alcunha do meu amigo mais destacado, seu parceiro de dupla. Ele, sim, tinha cara de Milionário. Era ostentação pura. Cara de gente rica, ou recém-rica, como falam por aí. Que tem tudo para mostrar, que chama a atenção, que não quer passar batido em lugar nenhum. Gente milionária, sabe?
Isso tudo, pra mim, era o principal, quando deveria ser o pano de fundo do contexto que me levou a conhecer o Milionário. Digo, José Rico. Era a música. Sertaneja. Um pouco mais “moderninha” que a caipira de Tonico e Tinoco ou Cascatinha e Inhana. Os dois cantores “do dinheiro”, que passaram a ser chamados de “As gargantas de ouro do Brasil”, traziam uma versão mais atualizada da música caipira.
Era o sertanejo romântico. Foram precursores nisso. Um estilo que foi se firmando e é um dos mais fortes no Brasil atualmente. Os dois falavam de amor quase sempre e da estrada da vida, que leva a gente para onde nem sabemos. Aliás, estrada era outra paixão embutida nas canções de M e JR, ídolos também dos caminhoneiros, presentes em músicas alegres, apaixonadas ou tristes, como a “Sonho de um caminhoneiro”.
Claro que a segunda voz é importante em uma dupla – embora existam umas que não são nem nunca serão notadas. Mas tem primeira voz que é diferente, que chama a atenção de uma forma especial. E a do José Rico era dessas. Vozeirão bonito, firme e natural, mesmo com o passar dos anos – o que faz aumentar a admiração por ele diante de tantas primeiras vozes forçadas por aí. Ainda juntava a tudo isso o fato de ele ser gente boa, né? Simpático, carismático, sorridente.
Como se fosse pouco, não era só a voz dele o admirável na carreira da dupla, que vendeu 35 milhões de discos. A música era boa, boa mesmo. Bonita, poéticas, simples e com sentimento. Eram poesias, como a de “Sentimento sertanejo”, deles, a preferida do meu pai:
“Um sentimento que me faz sofrer
Trago guardado em meu coração
Depois de tantas juras de amor
Eu recebi a sua ingratidão”
Talvez seja difícil hoje um jovem reconhecer a beleza dessas canções, porque é o “sentimento sertanejo” vai mais e mais ficando para trás, se tornando arcaico e conhecido mais somente entre os mais velhos. Mesmo sabendo que o “sertanejês” é uma das matrizes da nossa cultura, muitos de nós passamos a vida sem dar mais atenção a isso, às vezes, até ignorando a existência dele. Mas o conselho é: se um dia você quiser ouvir algo diferente mas genuinamente brasileiro (mesmo com a influência da country music em muitos casos) e estiver com tempo sobrando e coração aberto, pegue um Milionário e José Rico para ouvir.
Pode ser que não te provoque efeito nenhum, mas pode ser que você seja tocado pela emoção das músicas da dupla e, a partir de então, se torne mais um encantado pelo sertanejo “de raiz”, como dizem. Que comece a pensar em noites do interior do Brasil, tão solitárias, embrenhadas no meio do mato, mas cheias do sentimento que músicas do tipo levam. Ou até de festas do interior, que a trilha sonora prestigia as nossas duplas. Ou, ainda, na incerteza da estrada sem fim que caminhoneiros do país inteiro enfrentam todos os dias, faça chuva, faça sol.
Não digo que vá ouvir essas músicas todos os dias ou de forma preferencial. Mas vai ouvir com respeito, com afeto, uma doçura que brota lá dentro da alma, talvez até com um pouco de comoção. E vai pensar em pessoas como José Rico, que foi conhecer outras estradas tão precocemente, mas que levou a música dele de forma tão digna por mais de 40 anos. Todo o meu respeito, José Rico. Espero que você tenha tido tempo de saber o quanto você foi importante na representação do coração brasileiro. Sinto muito pela perda, Milionário.
(*) Artigo que escrevi para o portal Tudo BH (www.tudobh.com.br).
Eu gostava de olhar para aquela figura “exótica”. Um cabelo grande simulando ser mal cortado (ou era mal cortado mesmo?), costeletas (!!!), barba que tampava o rosto inteiro, correntes douradas no pescoço, anéis dourados nos dedos, óculos escuros (muito mais que Ray-Ban), roupas coloridas. E, pra completar tudo, uma unhazinha maior pintada de vermelho. Gente, a unha do mindinho. Era uma diversão para uma criança olhar aquilo. “Credo!”. Claro que era isso que eu dizia, mas, no fundo, sendo profundamente atraída pelo bizarro, como costuma ocorrer quando nos deparamos com o bizarro.
Nunca tomei muito conhecimento do Milionário, que era bem mais discreto. Usava apenas um chapéu. Sem barba, sem costeletas, sem a unhazinha vermelha, com os cabelos bem cortadinhos e roupas mais discretas. Acho que eu tinha um pouco de mágoa dele, por ter “roubado” a alcunha do meu amigo mais destacado, seu parceiro de dupla. Ele, sim, tinha cara de Milionário. Era ostentação pura. Cara de gente rica, ou recém-rica, como falam por aí. Que tem tudo para mostrar, que chama a atenção, que não quer passar batido em lugar nenhum. Gente milionária, sabe?
Isso tudo, pra mim, era o principal, quando deveria ser o pano de fundo do contexto que me levou a conhecer o Milionário. Digo, José Rico. Era a música. Sertaneja. Um pouco mais “moderninha” que a caipira de Tonico e Tinoco ou Cascatinha e Inhana. Os dois cantores “do dinheiro”, que passaram a ser chamados de “As gargantas de ouro do Brasil”, traziam uma versão mais atualizada da música caipira.
Era o sertanejo romântico. Foram precursores nisso. Um estilo que foi se firmando e é um dos mais fortes no Brasil atualmente. Os dois falavam de amor quase sempre e da estrada da vida, que leva a gente para onde nem sabemos. Aliás, estrada era outra paixão embutida nas canções de M e JR, ídolos também dos caminhoneiros, presentes em músicas alegres, apaixonadas ou tristes, como a “Sonho de um caminhoneiro”.
Claro que a segunda voz é importante em uma dupla – embora existam umas que não são nem nunca serão notadas. Mas tem primeira voz que é diferente, que chama a atenção de uma forma especial. E a do José Rico era dessas. Vozeirão bonito, firme e natural, mesmo com o passar dos anos – o que faz aumentar a admiração por ele diante de tantas primeiras vozes forçadas por aí. Ainda juntava a tudo isso o fato de ele ser gente boa, né? Simpático, carismático, sorridente.
Como se fosse pouco, não era só a voz dele o admirável na carreira da dupla, que vendeu 35 milhões de discos. A música era boa, boa mesmo. Bonita, poéticas, simples e com sentimento. Eram poesias, como a de “Sentimento sertanejo”, deles, a preferida do meu pai:
“Um sentimento que me faz sofrer
Trago guardado em meu coração
Depois de tantas juras de amor
Eu recebi a sua ingratidão”
Talvez seja difícil hoje um jovem reconhecer a beleza dessas canções, porque é o “sentimento sertanejo” vai mais e mais ficando para trás, se tornando arcaico e conhecido mais somente entre os mais velhos. Mesmo sabendo que o “sertanejês” é uma das matrizes da nossa cultura, muitos de nós passamos a vida sem dar mais atenção a isso, às vezes, até ignorando a existência dele. Mas o conselho é: se um dia você quiser ouvir algo diferente mas genuinamente brasileiro (mesmo com a influência da country music em muitos casos) e estiver com tempo sobrando e coração aberto, pegue um Milionário e José Rico para ouvir.
Pode ser que não te provoque efeito nenhum, mas pode ser que você seja tocado pela emoção das músicas da dupla e, a partir de então, se torne mais um encantado pelo sertanejo “de raiz”, como dizem. Que comece a pensar em noites do interior do Brasil, tão solitárias, embrenhadas no meio do mato, mas cheias do sentimento que músicas do tipo levam. Ou até de festas do interior, que a trilha sonora prestigia as nossas duplas. Ou, ainda, na incerteza da estrada sem fim que caminhoneiros do país inteiro enfrentam todos os dias, faça chuva, faça sol.
Não digo que vá ouvir essas músicas todos os dias ou de forma preferencial. Mas vai ouvir com respeito, com afeto, uma doçura que brota lá dentro da alma, talvez até com um pouco de comoção. E vai pensar em pessoas como José Rico, que foi conhecer outras estradas tão precocemente, mas que levou a música dele de forma tão digna por mais de 40 anos. Todo o meu respeito, José Rico. Espero que você tenha tido tempo de saber o quanto você foi importante na representação do coração brasileiro. Sinto muito pela perda, Milionário.
(*) Artigo que escrevi para o portal Tudo BH (www.tudobh.com.br).
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Por que não falamos delas?*
Vi uma menina no meio do Carnaval. Outra no cinema. Vi andando na rua. Sentada em um café. Vi em vários lugares, passeando alheia, como se o ar fosse um peso, o tempo, um martírio, a vida, um castigo. Vi uma menina que tentava se esconder, que andava sozinha. Que puxava a roupa para baixo, para o lado, que preferia sempre ficar sentada, no fundo da sala ou em qualquer canto invisível. Vi uma menina que não sorria. Que parecia chorar em cada olhar, que parecia rabugenta para quem não entende que o nome daquela expressão é tristeza.
Vejo meninas assim, todos os dias, em todos os lugares, cada vez mais escondidas, como se precisassem não ser vistas, ou se quisessem não ser. Essas meninas já vistas não têm saído da minha cabeça. Desde que li o post, não tem um mês, acredito, de uma conhecida no Facebook, falando sobre assuntos de que não falamos, do nosso silêncio tão omisso. Em certo momento, ela faz a pergunta: “vamos falar da solidão da mulher gorda?”. Direta e francamente, como um cruzado que vai no queixo, um direto no nariz ou um chute no estômago, se preferirem.
E por que a questão é especificamente sobre a mulher gorda? Mas e por que não sobre a mulher gorda? É da solidão da mulher gorda, porque ela rasga como punhal, porque a gente sabe que não é invenção e não é mentira, porque a gente a vê mais que qualquer coisa que é disfarçada na sociedade. Porque a gente, arrogantemente, sente dó da mulher gorda e da solidão dela. Porque é a mulher o principal alvo do ideal estético que é, todos sabem, a magreza ou a definição muscular. Tem cobrança para homem? Tem, mas não como é para a mulher, não vamos nos enganar.
Não parei mais de pensar na pergunta. “Vamos falar da solidão da mulher gorda?”. Como um martelo na cabeça. Vamos falar? Quem tem coragem de falar? Quem vai enfrentar isso? Quem vai assumir que tenta ignorar isso? Quem vai admitir que realmente não pensa nisso porque não é um problema seu? Porque é assim que a maioria de nós pensa. Quando o problema não nos afeta diretamente, não olhamos para ele com a preocupação de buscar uma solução ou de amenizá-lo.
Depois de ler a pergunta dessa minha conhecida, eu não consegui parar de tentar dimensionar a dor da solidão da mulher gorda. Até a expressão mulher gorda já carrega uma dor. Uma solidão, como se sinônimos fossem. O peso que a mulher gorda carrega, mais que corporal, passa a ser sentimental. O peso de ter de existir em um mundo que não quer que você exista, não do jeito que você é.
O peso de existir sozinha, de apenas escutar os papos das amigas que contam que saíram para a balada, conheceram alguém, beijaram na boca, transaram, receberam uma ligação. De ouvir que as amigas estão sendo desejadas aonde quer que vão, e ela, não. O peso de não ter o que contar. De ouvir em silêncio, melancolicamente, querendo se empolgar com a história da amiga, escondendo mais no fundo ainda a dor. Até o peso de ser esquecida – intencionalmente ou não – para passeios com as amigas, porque a “mulher gorda” não se encaixaria em certos programas ou não se sentiria à vontade neles. Será?
Porque a vida da mulher gorda é viver num esconderijo. Privando o outro de saber da fragilidade que isso tudo envolve, da raiva que aparece dia sim, dia não, da revolta, de tantos sentimentos que surgem e que são difíceis de nomear, mas que existem, como uma força que faz o peso aumentar a cada dia. Uma âncora. Sim, uma âncora.
E ainda ter de lidar com julgamentos de quem acha que a mulher gorda está gorda porque não tem força de vontade. Ter força de vontade motivada pelo quê? Mulher gorda e solitária, você ainda tem de ser um ser dotado de força de vontade sobre-humana neste mundo que te rejeita, se não, pobre de você, será um ser ainda pior. Acomodada. Fraca. Compulsiva. No mínimo. E essa ainda é outra questão, que envolve o preconceito e o julgamento contra a pessoa gorda em geral.
Não é a questão principal desta discussão, que quer se prender à solidão da mulher gorda. Que eu, mesmo tentando nos últimos dias, não consegui dimensionar, mesmo sendo mulher e não sendo magra, convivendo com mulher e ouvindo mulher. Ainda assim, não consigo parar de pensar na questão: “vamos falar da solidão da mulher gorda?”. Vamos falar, pelo menos falar, encarar que existe e que somos todos responsáveis por ela, essa solidão. Se haverá uma solução (que não seja exigir que a mulher gorda emagreça)? Não sei. Poucas vezes fiquei tão sem resposta.
(*) Artigo que escrevi para o portal Tudo BH (www.tudobh.com.br).
Vejo meninas assim, todos os dias, em todos os lugares, cada vez mais escondidas, como se precisassem não ser vistas, ou se quisessem não ser. Essas meninas já vistas não têm saído da minha cabeça. Desde que li o post, não tem um mês, acredito, de uma conhecida no Facebook, falando sobre assuntos de que não falamos, do nosso silêncio tão omisso. Em certo momento, ela faz a pergunta: “vamos falar da solidão da mulher gorda?”. Direta e francamente, como um cruzado que vai no queixo, um direto no nariz ou um chute no estômago, se preferirem.
E por que a questão é especificamente sobre a mulher gorda? Mas e por que não sobre a mulher gorda? É da solidão da mulher gorda, porque ela rasga como punhal, porque a gente sabe que não é invenção e não é mentira, porque a gente a vê mais que qualquer coisa que é disfarçada na sociedade. Porque a gente, arrogantemente, sente dó da mulher gorda e da solidão dela. Porque é a mulher o principal alvo do ideal estético que é, todos sabem, a magreza ou a definição muscular. Tem cobrança para homem? Tem, mas não como é para a mulher, não vamos nos enganar.
Não parei mais de pensar na pergunta. “Vamos falar da solidão da mulher gorda?”. Como um martelo na cabeça. Vamos falar? Quem tem coragem de falar? Quem vai enfrentar isso? Quem vai assumir que tenta ignorar isso? Quem vai admitir que realmente não pensa nisso porque não é um problema seu? Porque é assim que a maioria de nós pensa. Quando o problema não nos afeta diretamente, não olhamos para ele com a preocupação de buscar uma solução ou de amenizá-lo.
Depois de ler a pergunta dessa minha conhecida, eu não consegui parar de tentar dimensionar a dor da solidão da mulher gorda. Até a expressão mulher gorda já carrega uma dor. Uma solidão, como se sinônimos fossem. O peso que a mulher gorda carrega, mais que corporal, passa a ser sentimental. O peso de ter de existir em um mundo que não quer que você exista, não do jeito que você é.
O peso de existir sozinha, de apenas escutar os papos das amigas que contam que saíram para a balada, conheceram alguém, beijaram na boca, transaram, receberam uma ligação. De ouvir que as amigas estão sendo desejadas aonde quer que vão, e ela, não. O peso de não ter o que contar. De ouvir em silêncio, melancolicamente, querendo se empolgar com a história da amiga, escondendo mais no fundo ainda a dor. Até o peso de ser esquecida – intencionalmente ou não – para passeios com as amigas, porque a “mulher gorda” não se encaixaria em certos programas ou não se sentiria à vontade neles. Será?
Porque a vida da mulher gorda é viver num esconderijo. Privando o outro de saber da fragilidade que isso tudo envolve, da raiva que aparece dia sim, dia não, da revolta, de tantos sentimentos que surgem e que são difíceis de nomear, mas que existem, como uma força que faz o peso aumentar a cada dia. Uma âncora. Sim, uma âncora.
E ainda ter de lidar com julgamentos de quem acha que a mulher gorda está gorda porque não tem força de vontade. Ter força de vontade motivada pelo quê? Mulher gorda e solitária, você ainda tem de ser um ser dotado de força de vontade sobre-humana neste mundo que te rejeita, se não, pobre de você, será um ser ainda pior. Acomodada. Fraca. Compulsiva. No mínimo. E essa ainda é outra questão, que envolve o preconceito e o julgamento contra a pessoa gorda em geral.
Não é a questão principal desta discussão, que quer se prender à solidão da mulher gorda. Que eu, mesmo tentando nos últimos dias, não consegui dimensionar, mesmo sendo mulher e não sendo magra, convivendo com mulher e ouvindo mulher. Ainda assim, não consigo parar de pensar na questão: “vamos falar da solidão da mulher gorda?”. Vamos falar, pelo menos falar, encarar que existe e que somos todos responsáveis por ela, essa solidão. Se haverá uma solução (que não seja exigir que a mulher gorda emagreça)? Não sei. Poucas vezes fiquei tão sem resposta.
(*) Artigo que escrevi para o portal Tudo BH (www.tudobh.com.br).
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
O dia em que fui salva
Outro dia, passando pela rua Alagoas, na Savassi, a criança grande, que é como eu carinhosamente chamo a estagiária do trabalho, ao fazer um comentário, me fez lembrar de uma história que eu vivi num restaurante dali. Ela, que me fez lembrar da história, que a ouviu e riu, disse que eu tinha de contar adiante. Então, vai lá.
Num desses eventos de jornalistas, estava eu em uma mesa com dois ou três amigos papeando. Comidinha boa, bebidinha deveria estar também, porque, naquela época, eu bebia ainda menos que hoje. Isso deve ter uns seis anos pelo menos. Descontraídos, demoramos a perceber nossa vizinha de mesa. Uns até hoje não devem ter notado, mas eu jamais esquecerei.
Nesse papo bobo, eis que surge uma baratinha sapeca, queimando o filme do restaurante, que não chega a ser dos mais caros de BH, mas também não é dos mais fuleiros. (Criança, a única vez que eu tomei um tapa do meu pai foi por causa de uma barata. Ele já dormia quando ouviu um berro meu. Correu, em pânico, achando que eu tinha caído do beliche. Quando chegou, eu disse: "a barata, pai", crente de que ele iria matar a bicha e me livrar da presença dela. Tomei um tapa no braço pra aprender a não fazer escândalo à toa. Não adiantou muito, como veremos. Ah, mais uma coisa: se eu tivesse sido mais esperta, teria me lembrado de que meu pai jamais mataria a barata nem outro bicho qualquer. Mas eu nunca fui muito esperta mesmo).
A baratinha começou a passear perto da minha mesa, porque sempre as baratas, os ratos, os morcegos, as abelhas, as vespas, o que for, vão pra cima de quem tem mais medo deles. Eu, esquecendo completamente os ensinamentos que deveria ter aprendido com o tapa do meu pai, dei gritinhos ridículos (o que me alivia é que não somente eu dou gritinhos ridículos quando tem uma barata por perto). "Ai, gente, uma barata! A barata! Tem uma barata aqui, gente!". Deve ter sido alguma coisa assim. Ninguém fez nada. O garçom fingiu que não era com ele, acho que pensou que, se assumisse que tinha uma barata lá, seria uma queimação de filme maior.
Os gritinhos, no entanto, não foram em vão. Aquela vizinha de mesa que foi ignorada por tanta gente me ouviu. Então, aconteceu de Tammy Gretchen se levantar da mesa, vir na minha direção e, com uma pisada só, acabar com a vida da baratinha incômoda e queimadora de filme. Olhei (deve ter sido com um olhar mais cativante e apaixonante que o do gatinho do Shrek) pra ela e agradeci. Ela só disse "de nada", com um sorriso, e voltou para a mesa dela.
Ficou a baratinha amassada para o garçom que ignorou minha aflição limpar. E eu ganhei mais uma heroína na vida.
Num desses eventos de jornalistas, estava eu em uma mesa com dois ou três amigos papeando. Comidinha boa, bebidinha deveria estar também, porque, naquela época, eu bebia ainda menos que hoje. Isso deve ter uns seis anos pelo menos. Descontraídos, demoramos a perceber nossa vizinha de mesa. Uns até hoje não devem ter notado, mas eu jamais esquecerei.
Nesse papo bobo, eis que surge uma baratinha sapeca, queimando o filme do restaurante, que não chega a ser dos mais caros de BH, mas também não é dos mais fuleiros. (Criança, a única vez que eu tomei um tapa do meu pai foi por causa de uma barata. Ele já dormia quando ouviu um berro meu. Correu, em pânico, achando que eu tinha caído do beliche. Quando chegou, eu disse: "a barata, pai", crente de que ele iria matar a bicha e me livrar da presença dela. Tomei um tapa no braço pra aprender a não fazer escândalo à toa. Não adiantou muito, como veremos. Ah, mais uma coisa: se eu tivesse sido mais esperta, teria me lembrado de que meu pai jamais mataria a barata nem outro bicho qualquer. Mas eu nunca fui muito esperta mesmo).
A baratinha começou a passear perto da minha mesa, porque sempre as baratas, os ratos, os morcegos, as abelhas, as vespas, o que for, vão pra cima de quem tem mais medo deles. Eu, esquecendo completamente os ensinamentos que deveria ter aprendido com o tapa do meu pai, dei gritinhos ridículos (o que me alivia é que não somente eu dou gritinhos ridículos quando tem uma barata por perto). "Ai, gente, uma barata! A barata! Tem uma barata aqui, gente!". Deve ter sido alguma coisa assim. Ninguém fez nada. O garçom fingiu que não era com ele, acho que pensou que, se assumisse que tinha uma barata lá, seria uma queimação de filme maior.
Os gritinhos, no entanto, não foram em vão. Aquela vizinha de mesa que foi ignorada por tanta gente me ouviu. Então, aconteceu de Tammy Gretchen se levantar da mesa, vir na minha direção e, com uma pisada só, acabar com a vida da baratinha incômoda e queimadora de filme. Olhei (deve ter sido com um olhar mais cativante e apaixonante que o do gatinho do Shrek) pra ela e agradeci. Ela só disse "de nada", com um sorriso, e voltou para a mesa dela.
Ficou a baratinha amassada para o garçom que ignorou minha aflição limpar. E eu ganhei mais uma heroína na vida.
sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
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