domingo, 23 de novembro de 2014

Quando você vier de novo

Quando você vier de novo, a gente vai para o parque Vale Verde.
Vou te apresentar as meninas que fazem o projeto Chão que eu Piso, pelo qual você se apaixonou.
Você vai ficar lá em casa, como foi das vezes anteriores. Vai ver Amor, Arroz e Paz.
Quando você vier de novo, vamos ficar mais tempo juntas. Foi uma correria da última vez.
Vamos tomar café com pão de queijo na praça da Liberdade, comer comida mineira, doce de leite e goiabada, como foi na primeira vez que você veio e nos esbaldamos no Xapuri, com frango com quiabo, couve e feijão, antes de nos perdermos na mesa de doces e compotas. Pra finalizar, o cafezinho, que, se faltar, não deixa nem o melhor banquete ficar completo.
Quando você vier de novo, podemos fazer outros ensaios fotográficos, como aqueles na orla da Pampulha ou no Museu Abílio Barreto. Fazer outra namoradeira. Quer outra janela para posar como namoradeira? Você ficou um encanto lá no casarão.
Quando você vier de novo, vamos sair pra dançar. Ah, acho que a gente tem de fazer uma lista dos lugares que você ainda não conhece em BH, né? Agora são poucos.
Vamos tentar encontrar todo mundo junto, pra conversar e rir junto, tomar o vinho de que você gosta, ou até uma cervejinha.
Vamos passear no Mercado Central e comprar queijo, comer abacaxi em pé e tirar fotos para postar no Instagram.
Vamos ouvir muita música, quem sabe ouvir Gal Costa, uma musa sua, coisa que ainda não fizemos.
Vou procurar outro artista mineiro para te apresentar e te dar de presente uma descoberta pra levar para SP, como foi quando você conheceu o Inimá de Paula.
Vamos andar pela cidade, subir esses morros e, à noite, dançar forró, para acordar no dia seguinte com as pernas doendo.
Vai ter Carnaval. Você vem para o Carnaval? Lembra da ideia de fazermos um bloquinho? Na verdade, dois bloquinhos. Quem sabe não colocamos, enfim, em prática?
Quando você vier de novo, quero dar um jeito de te levar para conhecer o Mineirão. Das últimas vezes, não deu para a gente fazer isso. Queria tanto que você visse o maior de Minas em campo – tomara que não seja contra o seu Timão.
Quando você vier de novo, vou preparar o seu quarto, deixar chocolates, músicas para você ouvir e pedir para os gatinhos serem muito carinhosos com você. Principalmente nas horas em que eu não estiver em casa.
Quando você vier de novo, ainda vamos ter muito o que fazer e, como sempre, sua agenda vai ficar lotada.
Eu sei que você não vem de novo, mas neste momento queria pensar que, em breve, você volta a BH, como sempre planejava, porque você sempre estava voltando. Numa das nossas últimas conversas, você disse: “amo vir pra cá, sou sempre tão bem tratada!”. Você estava aqui, e nós, eu e meus amigos que você lindamente conquistou, é que estávamos felizes com a sua presença, na despedida, já esperando a sua volta. Você trazia carinho e doçura para nós.
Eu sei que você não vem de novo, mas queria te dizer que você deixou aqui um lugar que é seu. E vai ser pra sempre, com todo o nosso amor.
Muita saudade, flor.

À minha amiga amada Priscila Tieppo, que não vai vir de novo. Amiga, é difícil enfrentar essa ausência sua.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O roubo da empregada

É só pensar em uma escadinha de amigas. Cinco. Como não me lembro direito da idade de cada uma, a gente supõe que era assim: 9, 10, 11, 12 e 14. Se não é, para esta história, fica sendo. Só para ajudar a visualizar a cena. As cinco eram conversadas, dessas meninas que abrem o bico fácil com qualquer pessoa na rua.
Pois bem, as cinco fizeram amizade com a moça da padaria e com a empregada de uma vizinha da rua de cima. O que tem uma coisa com a outra? Só esperar um pouquinho. Conversa vai, conversa vem, o que as cinco amigas descobriram? Que a empregada da vizinha da rua de cima não estava satisfeita no trabalho, sofria maus-tratos, ela contava. Era mocinha nova, do interior, que sabe-se lá como veio parar em Belo Horizonte para morar e trabalhar na casa da tal patroa. Nesses esquemas herdeiros daqueles tempos da escravidão. Do outro lado, descobriram que a moça da padaria, de quem elas gostavam muito, queria o quê? Isso mesmo: uma empregada, também para morar na casa dela. Bingo! Juntaram dois e dois e decidiram fazer a união das duas.
A questão era como. Pensaram, planejaram uma data, uma hora e uma fuga estratégica. E, assim pensado, no momento decidido e acordado com ambos os lados, foram executar o plano. Era noite de não sei que dia em qual mês e ano. Bateram campainha na casa da vizinha da rua de cima. A própria atendeu. “Somos amigas de fulana, moramos na rua de baixo. Queremos conversar com ela um pouquinho”. Chegou a empregada. Deram um tempinho, até a patroa subir para a casa e se esquecer um pouco das seis. Então, fecharam o portão e saíram correndo, puxando a mocinha pela mão. Ainda ouço o tá-tá-tá das sandálias de plástico no asfalto, sinto a euforia, o medo e alegria daquele roubo, ou seria furto? Rapto talvez... A patroa chegou até o portão e viu as seis correndo. Acho que gritou alguma coisa, mas, aí, já era. Estavam longe e correndo muito.
Em um beco próximo, as cinco amigas encontraram a moça da padaria, que pegou a empregada nova pela mão e deu no pé com ela, parece que havia um carro na parada, ou seria ônibus? Daí em diante, não se sabe o que aconteceu com uma e outra e a outra que ficou sem a empregada. As cinco amigas ficaram bem orgulhosas de si, com fé de terem feito a melhor ação de todas as suas vidas (sem pensarem que a troca foi de seis por meia dúzia). E certas de terem realizado o roubo do século.

Dedicado à Gi, a amiga que participou do roubo do século. Eu, minha irmã, Ni, a amiga Gir (irmã da Gi) e a amiga Tiane fomos as outras participantes da ação. Do plano onde está, Gi, você deve estar rindo dessas lembranças. Querida, você está para sempre com gente.

Legenda por idade:
9 = eu
10 = Gi
11 = Ni
12 = Gir
14 = Tiane

O marido

À espera do segundo ônibus que me levaria para a praia de Gaibu, que fica a quase duas horas de Boa Viagem, alguns personagens ajudavam a fazer o tempo passar. O homem do suco de cana, que trocou a engenharia pelo seu próprio engenho, o taxista que “aluga” o cartão do Vem, que é o passe dos coletivos de Recife, e a moça esperta que compra a garapa do amigo engenheiro e dono de engenho. Todos ficam, então, “arretados” com o homem que passa rente ao meio-fio, à frente de uma mulher, e diz, em alto e bom som, com voz grave e sem nenhuma gentileza: “bora, mulher! Anda!”. A moça esperta: “ah, se marido meu fala assim comigo...”. E os dois homens que estavam no ponto acham absurdo o trato, afirmam que afirmam que a mulher é que tem de gritar com o homem, mandar no homem. Essas coisas.

A história acabaria assim se o tal marido não voltasse em minutos para comprar um lanche para a mulher, que continuava andando atrás dele. “Ela tá com fome. Dê um desse aí pra ela”. A mulher, de quem eu não ouvi a voz, só um miadinho bem baixo e indecifrável, se senta, come a coxinha, fuma um cigarro, e o marido só assiste a isso, depois de pagar o lanche. O ônibus chega, a fila se forma. Eu fico por último, esperando todo mundo se acomodar para entrar. O marido para na porta do ônibus e faz um bloqueio para que as mulheres entrem primeiro. Olha pra mim, no final da fila, e diz: “você não vem, não, moça?”. Eu digo que sim, mas que estava esperando a fila. Ele: “não, pode entrar, eles esperam”. Ok, entrei. E eles esperaram mesmo, sem reclamar.

Chegamos a Gaibu. Cada um vai pra seu lado. Sento em uma cadeira bem na frente da praia, peço um arrumadinho e um suco. Não tem, vem Coca-Cola mesmo. Quando estou terminando, o marido e a mulher que mia chegam. Sentam-se à minha frente. Ele logo para um vendedor de camarão, compra uma porção, que vem num potinho pequeno de plástico. Ele diz: “não, me dê esse outro aí”. Queria aquele maior, que é quase um pratinho mais fundo. Tira tudo do potinho menor, vira no maior, que o vendedor lhe deu, calado, sem reclamar, e diz: “pronto, agora vai ficar tudo bonitinho, arrumadinho”, com toda satisfação.

Continuo sem ouvir a voz da mulher, somente miados bem distantes. O marido pergunta que cerveja ela quer. Ao ouvir a resposta, pede uma Skol – imagino que tenha sido o que ela falou. Depois, vira-se já para outro vendedor, de caldinho dessa vez. Pede um. Custa R$ 5, mas ele diz que vai pagar R$ 2. O vendedor aceita. Não só isso. O marido pede, ainda, pimenta, azeite e molho de alho. Coloca no caldinho – que também é para a mulher – e na porção de camarão. O vendedor só olha e não reclama.

Pronto, comidas postas à mesa e temperadas, harmonizadas com cerveja. Vendedores afastados, uma vista de encher os olhos e o barulho do mar. Hora de namorar. Ele coloca camarão na boca dela. Ela repete o gesto. E, entre um camarão e outro, trocam beijinhos na boca. Continuo sem saber qual era a voz dela e, cansada de espiar o casal e tentar entender aquele homem, levanto, pago o arrumadinho e a Coca, vou embora. Sei só que eu, a mulher, a fila de homens e os três vendedores, todos nós obedecemos ao marido. E ainda não sei o porquê.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Testimonial

São dez anos juntos, grudados, um fazendo parte do outro. Se bem que, nos últimos anos, a gente não tem se encontrado tanto. Coisas da vida, né? Outras pessoas vão chegando, outros compromissos. Mas nem por isso eu te esqueci ou passei a gostar menos de você. Tudo o que você representou na minha vida continua valendo e vai para sempre comigo. Os primeiros passos num mundo que eu ainda desconhecia, de tantas conexões possíveis, de communities de todos os tipos.

Você me ajudou a me abrir mais para as pessoas, contar as minhas coisas com menos medo. Passei por algumas confusões por causa disso, mas, olha, serviu (e muito!) como aprendizado. Fez com que outras pessoas me dissessem várias coisas que eu não sabia que elas viam em mim. Rsrsrsrs... Até hoje eu fico me perguntando se eu sou aquelas coisas mesmo...

Você foi mais que um amigo para mim nesse período. Foi um companheiro, um parceiro, um amor, aceitou tantos desabafos, fez meu coração tremer tantas vezes e aliviou algumas angústias. Um simples scrap já poderia mudar meu humor durante o dia. Por falar em humor, inesquecível o seu “humor do dia”. Poxa, tinha coisa que batia direitinho. Parecia que você tinha lido meus pensamentos. Tinha?? Ai, como a gente é bobo às vezes!

Eu queria, de novo, te pedir desculpas pelas vezes em que fiquei sumida ou que até excluí você da minha vida. Sempre há uma razão. Não é que foi uma troca por outra parceria mais interessante, mesmo sendo, mas é que a gente age por conveniência mesmo – estou sendo extremamente sincera agora. Espero que você me perdoe e me entenda. Você está para sempre no meu coração, ainda que eu esteja committed com outro. Não te esquecerei jamais. Obrigada por tudo, Orkut.

Orkut

* 24/1/2004

+ 30/9/2014

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Fique longe de nós

Torço para que, àquela altura da noite de domingo, já entrando a madrugada, a audiência estivesse baixíssima. Que o número de pessoas sentadas nos sofás de casa tenha sido o mínimo. Que a “família” brasileira estivesse dormindo. Que os amantes estivessem se amando, de todas as formas, gêneros, números e graus. Que qualquer coisa fosse mais importante e tirasse as pessoas de frente à televisão. Assim, elas não veriam a agressão ao vivo e em cores no debate dos presidenciáveis organizado pela TV Record. A agressão que machucou, que feriu, que assustou, que deixou a gente incrédulo.

Até pouco tempo, o candidato do bigode, já figura tão conhecida do eleitorado brasileiro, devido às 12 eleições que disputou – todas com votação pífia, insuficiente para que fosse eleito –, era, para mim, o “viajante solitário de ideias mirabolantes”. Aqui, neste espaço mesmo, eu dei essa “denominação” a ele devido às ideias incríveis que apresentava, como o famoso aerotrem.

Nunca foi agressivo você ter ideias incríveis e irrealizáveis, embora estivesse, de certa forma, tentando enganar os eleitores. Ok, é perdoável, até porque você jamais seria eleito a qualquer coisa – pensamento do eleitor.

Nunca foi agressivo você ter ideias conservadoras, assim como também não podem ser as ideias progressistas. A democracia dá o direito de expressão, para todos os lados.

Até quando você disse que iria “bombardear uma adversária”, não foi agressivo, foi levado para o lado jocoso, cômico, que é o que você passou a ser para os eleitores e para os telespectadores: a comédia, a garantia de risos com as pérolas que lançava.

Você deixou de ser cômico e engraçado. E perdoado. Ainda que, por toda a vida, tenha tido ideias absurdas sobre as relações homoafetivas, se não queria ampliar um pouco a mente, você deveria tê-las guardado para si. Jamais usar o espaço democraticamente cedido a você, mesmo com a baixa expectativa de voto que tem, para destilar ódio contra qualquer pessoa ou grupo.

É de você e de pessoas que alimentam a violência contra o outro que queremos distância. Você e pessoas como você fazem os meus amigos, as pessoas que eu amo e tantos desconhecidos que eu respeito serem rejeitados em casa e na sociedade, apanharem na rua, terem de viver escondidos e serem abolidos do mapa social em muitas questões e direitos.

Eu não gosto mais de você. Eu quero que você perca pela 12ª vez nas urnas, que continue sendo um viajante solitário de ideias mirabolantes, mas que agora receba pelo menos 1% da hostilidade que as pessoas atacadas por você sofrem na pele. Que você continue gastando seu dinheiro à toa nas campanhas. Reme, reme para chegar a lugar nenhum. Que, quando você for à Mutum, cidade mineira onde você nasceu, as pessoas gargalhem na sua cara. Que, ao se sentar em um restaurante ou sorveteria – um típico programa da família brasileira –, quem estiver ao lado se levante e olhe torto para você e seus familiares.

Se passar uma vez por uma dessas situações, pode ser que você pense um pouco no que anda disseminando por aí, porque pensar parece ser coisa que você não tem feito, embora conste que você é jornalista e publicitário. E, se pensar e ver que a luta tem de ser por mudanças, por aceitação das diferenças, por respeito e amor ao próximo, por proteção das pessoas e pelo direito à vida e a à integridade física e moral, pode ser que um dia perdoemos você de novo. Agora, exatamente agora, estamos magoados e queremos distância de você.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A ela

Toda vez que eu passo por ela, eu a vejo trabalhando. Forte, de braços com músculos definidos, ela não poupa o físico que possui ou que desenvolveu/buscou ao longo da vida: lava carros o dia inteiro. Nos intervalos de almoço, faz entrega de marmita. Quando encerra a jornada de lavar carros, vai entregar mais marmitas. Carrega, nas costas, alguns quilos, a comida dos clientes. O que mais ela leva nas costas? Um rastro de preconceito, a discriminação que deve receber a cada esquina?
Possivelmente, ela já foi alvo de muitos olhares tortos. Usa cabelo raspadinho, o que exibe o rosto bem-desenhado que possui. Não se veste de maneira feminina, dentro do "padrão". Mantém a autenticidade, não se desvirtua do que é, exerce as atividades em que acredita que se sai bem. E trabalha, trabalha. Dia e noite, de uma forma admirável.
Em uma das suas entregas de marmitas, eu digo: “como você trabalha, hein, menina? Vai ficar rica!”. Ao que ela me responde, de um jeito tímido, meio cabisbaixa, sem olhar diretamente nos olhos: “rica, não precisa, mas, passar fome, eu não passo. Trabalho, tem muito por aí, quem fala que não tem tá mentindo”.
Com a energia e a vontade de trabalhar que tem, ela não vai passar fome, não. E, se há quem a olhe torto, pelo que ela é, como se veste ou o que faz, há um mundo que a admira.
E eu te admiro imensamente. Queria ter te falado isso na nossa conversa rápida entre marmitas. Não falei, mas acho que você entendeu. Parabéns, ela!

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Vazio

O que vem depois da cura?
E agora, o que mais fazer?
Pelo que lutar?
O que buscar depois da cura?
Qual é o próximo plano?
O que fazer para não sentir saudade de quando a cura era a meta?
Como não pensar que sofrer de amor é melhor que ser curado dele?

Insônia

Não é só uma sensação.
O dia acabou, e você sabe que não o viveu o suficiente.
Você não o viveu.
Não adianta não dormir.
Ele se foi.
Não há pestanas abertas nem olhos abertos que o segurem.
Você já o perdeu.

Fim

Finda o dia
Fim do dia

Fim do dia
Finda a vida

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Dedicatória

A tudo o que virou hipótese para mim
e a tudo para o qual virei hipótese,
deixo um "se" inquiridor.

O homem do livro

Escolheu para extensão de seu corpo o livro. Para onde quer que vá ou com quem quer que converse, é esse o objeto que ele leva consigo. Chegue à casa dele, para uma visita. Em algum momento, ele vai trazer um livro para a conversa, falar de alguma curiosidade que encontrou no texto ou até vai ler para você uma passagem que considera importante e, por isso, merecedora de ser dividida com outros.
O homem do livro, em tempos de mundo virtual, aldeia global, não escolheu nada midiático para interagir. Sua extensão é o livro. O que talvez até seja uma pena, porque o homem do livro acumulou tanto conhecimento ao longo de sua vida que seria rico que outros, por meio das redes sociais, pudessem ter acesso a essas tantas e tantas histórias.
O homem do livro se interessa por história, literatura, religiões, genealogias, ciência, astronomia, quadrinhos, filmes, música. Não só se interessa, pesquisa a respeito de tudo o que lhe interessa. Pesquisa, lê e escreve. Com a internet, descobriu que pode adquirir mais livros, de edições diferentes, antigas, obras com as quais teve contato na infância e muitas outras. A internet lhe abriu muitas portas de pesquisa, mas o papel continua sendo seu mundo preferido.
Ele nunca saiu de seu país, mal gosta de sair de sua casa. E não sente falta de descobrir outras paisagens. Pelos livros, fez viagens até mais longas e enriquecedoras que as que fazem os que caem na estrada. Para ele, lhe basta ter nas mãos Machado, Rosa, Alves ou os muitos outros que ele admira.
O homem do livro é meu pai. Uma pessoa de nome diferente, inventado pelo pai dele. Tímido, o homem do livro tem até um pouco de vergonha de seu nome, preferiria se chamar José, para não ser notado. Apesar do amor pelos livros, nunca se descuidou dos deveres: trabalhar, cuidar da família, passar valores, detalhes que foram tão importantes para a formação do nosso caráter, que fizeram com que nossa família se mantivesse unida, firme, mesmo com nossas tantas diferenças.
Eu não me lembro de não ter visto meu pai com um livro na mão em pelo menos um momento de nossos encontros ou da vida que dividimos. Pequena, eu o via por horas e horas diante do armarinho recheado de livros. Foi sua primeira biblioteca. Hoje são muitos mais livros, e ele continua incansavelmente lendo e alimentando, com isso, sua impressionante memória.
Se eu gosto de ler, escrever, pesquisar, ouvir histórias e músicas, saber mais de história, ter um pouco de senso de justiça social e de humanidade, se eu sempre busquei ter mais conhecimento, devo isso, em muito, ao meu pai, o homem do livro. Se a vida tivesse lhe dado as oportunidades que ele e mamãe me permitiram ter, tenho certeza, o homem do livro teria sido um melhor jornalista, historiador (ou professor de história) e revisor que eu fui ou tenho sido. Porque é nato tudo isso no homem do livro, um intelectual à moda antiga.
Homem do livro, feliz Dia dos Pais! Obrigada por ter sido minha primeira referência intelectual. Isso moldou todo o meu caminho.

domingo, 3 de agosto de 2014

Cercada

Pintando um quadro, certamente, agora, eu pintaria palavras transformadas em monstros. Vindas do céu, da terra, dos ares, das águas, de todos os lugares. Com bocas gigantes, dentes enormes e afiados. Todas em cima de mim, arrancando meus pedaços, minhas pernas, meus braços. Atingindo meu coração, de forma certeira, como os mísseis que matam crianças do outro lado do mundo. Neste momento, um míssil acertou meu coração novamente. Uma bomba abateu minha cabeça. Já não posso mais continuar. As palavras me mataram.

sábado, 2 de agosto de 2014

Fluindo

De uma forma nunca pensada
ou realizada
Hoje uma crueza fixada
(ou uma frieza acostumada?)

Do imaginado
Hoje possível
O inesquecível
Hoje nem lembrança
Da ex-presença
Hoje nem ausência

Os sentidos
Não sentidos
Se já tidos
Se vão com os idos
Nem percebidos
Como nisso convertidos?

É tão fácil
Não sabia
Se foi missão
Hoje é água fria
O chegar é como o ir
Natural
Vida real

sábado, 19 de julho de 2014

Inversos

Eu te amo,
cada vez mais fácil boca pra fora,
cada vez mais difícil coração adentro.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Viaduto no caminho da vida

Andei bisbilhotando seu Facebook. Jornalista tem dessas coisas. Até te peço desculpa, mas imagino que o que você deixou lá era para ser visto. Senti que você era uma pessoa que não tinha muita vergonha da vida, de curtir com seus amigos. Até soube que você gostava muito, muito de dançar. Axé e pagode, acho. E hoje, hein? Era dia de ir para a Fan Fest, comemorar a vitória do Brasil (ufa!) contra a Colômbia. É, estamos na semifinal, com muito custo. Joguinho suado, disputado, faltoso, encrenca. Enfim, estamos.
É motivo de alegria.
Seria. Não, não é motivo de alegria, não como deveria ser. A seleção não tem culpa de nada, o futebol, os jogadores. A gente sabe das coisas ruins que rolam por trás, o que não vai fazer com que a gente perca uma paixão que vem com a gente de berço, um dos motivos de nos mobilizarmos tanto e chorarmos de alegria e de tristeza. O futebol não tem nada com isso. Nem a Copa.
Quem tem a ver com isso, com a sua ausência nessa comemoração é gente que não liga para ninguém. São essas pessoas que querem só uma coisa: dinheiro. Meu Deus! Mas já não têm o bastante? Têm, mas sempre querem mais. Mas precisam colocar o dinheiro acima de tudo? De outras pessoas, gente inocente, que trabalha, vive, leva a filha de 5 anos para o trabalho quando ela está de férias. De gente que, exatamente agora, queria estar dançando, tomando uma cervejinha, abraçando os amigos, rindo feliz porque viu seu país ir para mais uma fase da Copa do Mundo.
Isso não se concretiza. Não se concretiza porque, na véspera, encontra um viaduto no meio do caminho. Não é uma pedra. Uma pedra já poderia ter feito um imenso estrago. Mas era um viaduto (!). Sabe quanto ele pesa? Você não imagina. São 2.500 toneladas. Isso tudo em cima de uma avenida, de carros, de gente, de vidas, de famílias, de felicidade, de uma cidade que estava feliz. Agora, como ser feliz de novo?
A vida segue. A gente tem de tentar. Sorrir com a cidade, acreditar que vai haver justiça. Que alguém vai responder pelo crime, crime mesmo, que te impediu de ver o gol bonito do David Luiz e a emoção do Thiago Silva. Ou o aperto que passamos depois do pênalti que o colombiano James Rodriguez converteu em gol.
Foi suado, sofrido. Mais sofrida está a vida da sua família, do seu pai, que chorou muito, que chora e vai chorar por toda a vida. Da sua filhinha, que não para de perguntar por você. Ela está preocupada. Como vai ser? Quem responde por isso? Quem vai amenizar essa dor e preencher o buraco infinito que vai existir na vida dela pela sua falta, pelas imagens que a memória de criança vai levar de uma forma meio obscura, mas sempre associada à dor? Quem vai estar com ela quando ela passar mal à noite, quando estiver adolescendo, dando seus primeiros passos para a vida adulta, se apaixonando pela primeira vez, passando no vestibular ou vibrando com o primeiro emprego?
O que quem pensa em dinheiro, dinheiro, dinheiro unicamente não vê é isso. Hanna é uma das vítimas da ganância, da falta de comprometimento mínimo. Hanna e Charlys, os dois mortos, esmagados pelo viaduto da Pedro 1º, pedimos desculpas pela vida que tiraram de vocês. Não podemos fazer muito, mas estamos tristes, profundamente tristes. Há um rasgo na cidade, um viaduto, que parou a vida de vocês e marcou a nossa para sempre.

domingo, 29 de junho de 2014

Anestesia

Se eu tive um coração.
Se ele está partido.
Se ele está pulsando.
Se tudo isso,
por hora, não lembro.
Graças, anestesia da minha vida momentânea.
Há uma bola em campo.
Há 22.
Há milhões de olho.
Olhando, não olho para cá.
Vá para frente.
Coração.
Há outra direção.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Nome: especial Ocupação: amar Patrimônio: infinito

Eu vi seus olhos brilhando e, em seguida, ficando rasos d'água.
Eu vi seu sorriso entreabrindo. Meio sem graça, meio misturado com tristeza. Amor, saudade, dor.
Eu vi seus dedos correndo entre fotos. É tudo o que você tem? Ou é o mais importante que você tem?
Eu vi sua carteira magra, mas cheia de amor. Afinal, as fotos estão lá. Pequenas, manchadas, desgastadas, mas representando tudo o que você ama ou amou em sua vida. Tudo o que você consegue chamar de seu, porque amor é você.
Eu vi toda a dimensão em que você é especial, não importa que digam que você é especial por um milhão de outras formas.
Eu vi que você é especial porque tem uma pureza que eu não tenho, porque deixa o amor ter o real valor que ele tem, sem ter seu espaço roubado por tantas outras coisas (vida social, cultura, tecnologia, conflitos, trabalho, preocupações).
Eu vi que você me emocionou só por te olhar, só por te ouvir em toda a sua pureza, no seu amor genuíno.
Eu vi o tanto que eu preciso ser melhor, ao te ver sendo tão grande.
Seu nome é especial.
Sua carteira vazia, apenas com o símbolo do seu time do coração e as fotos 3x4 de quem você ama, é a carteira mais cheia que eu já vi.
Seu nome é especial, e você me ensinou muito.
Seu nome é especial, e eu nunca vou te esquecer.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Linha do tempo

Quando chegou, havia apenas três folhas. Em branco.
Início.
Meio.
Fim.
Quando olhou, não quis escrever. Nada.
Saiu.
Cresceu.
Viveu.
Quando voltou, as três continuavam lá. Cheias.
Ser.
Correr.
Morrer.
Indo, voltando, correndo, olhando, sendo, crescendo, vivendo, morrendo, fugindo, ignorando, gerundiando, não escapando. Todos os verbos levam ao fim.

domingo, 13 de abril de 2014

Ao meu amigo

Concentração vai embora
A saudade não deixa a gente pensar
Pensa só nas lembranças
A saudade é mandona
Não deixa a gente pensar
Não sem chorar

* Para Alécio Cunha

Pacman

O ano come muito rápido
O mês
A semana
O dia
A hora
E eu me sinto um inseto cada vez menor

sábado, 12 de abril de 2014

Ao Man oA

Nascemos no mesmo lugar, do mesmo lugar. Crescemos, nos criamos nele. Eu não sei quando e como esse lugar se separou tanto que nos distanciou de uma forma que me assusta e me dói. Porque eu queria te dizer que eu sempre quis te amar ou poder te amar de uma forma que você nunca permitiu. Que a gente não é capaz de reescrever a própria história, nem mesmo escrevê-la, mas eu gostaria. Que tudo fosse diferente. Que tudo fosse diferente. Que eu pudesse contar com a sua força, a segurança que você seria capaz de me passar e que eu nunca tive. Os sentimentos existem. Para todos os lados, eles existem. É comigo, é com você. Mas possivelmente de formas diferentes. Formas que eu jamais poderei decifrar. Dói não te ter como parte de mim. Mais que biológica, de sangue. Dói não te ter como parte da minha vida, do que é meu e é mais que físico, que é alma, amor, sentimento. O amor nasceu conosco. Não vai nos deixar, mas seria mais feliz se o seu e o meu se conhecessem.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Hoje eu te homenageio

Para cada pessoa que você perguntar, haverá uma resposta a respeito do motivo que a levou a ser jornalista. Uns não vão nem saber qual. Esse talvez seja meu caso. Por algum motivo, o jornalismo foi nascendo em mim até se transformar em uma das minhas grandes razões de viver. Muito por causa do meu pai, que não é jornalista nem sequer atua na área das ciências sociais ou humanas, mas tem paixão por ler. E não só. Por investigar histórias, por conhecer mais e por repassar informações. Foi por causa dessa paixão dele que eu descobri os livros bem cedo e de uma forma muito intensa.
Li livros, quadrinhos, revistas, outdoor, adesivos, placas de lojas, placas de carro. Tudo o que aparecia à frente. E jornal. Impresso, com tinta nos dedos. A família assinava o jornal Hoje em Dia – isso daí já foi iniciativa da minha mãe. Foi o que me fez conhecer o meu inspirador na carreira jornalística. É estranho, mas foi Roberto Drummond quem deu aquele “start” em mim: “opa, acho que quero ser jornalista”. Ele nem era mais, mas escrevia crônica em jornal diário e tinha um passado de certa expressão no jornalismo – chegou a ganhar o prêmio Esso duas vezes.
Suas crônicas expressavam coisas cotidianas, tão simples. Me dava uma curiosidade, todo o dia pela manhã, enquanto tomava café para ir à aula, ver sobre o que ele estava falando. Que passarinho ele tinha visto, que moça na rua, que olhos perdidos, que filme, que livro, que, que, que... Comecei a achar incrível, lindo, isso de ver as coisas e escrever sobre elas. Vai que alguém gosta? E se alguém gostar? Eu via que Roberto Drummond não era unanimidade, muita gente criticava seus textos, especialmente seus livros. Fui ler. Li uns quatro, cinco. Gostei de todos, mesmo os mais “bobinhos”. Conclusão: eu gostava dele. Apesar de detestar todas as vezes em que ele escrevia sobre o Atlético-MG.
A vida, irônica que é, iria me dar presentes num futuro muito próximo. Minha irmã entrou para a faculdade em 1997 e teve como colega de turma a filha de Roberto Drummond. Acabamos fazendo uma amizade passageira, conversávamos um pouco por telefone. No primeiro semestre de 1999, eu entrei para o curso de Jornalismo, na PUC Minas. Tinha um trabalho a fazer, uma entrevista com uma personalidade. Claro que escolhi Roberto Drummond, que havia ficado mais famoso nacionalmente por causa do sucesso estrondoso da minissérie “Hilda Furacão” (1998), na TV Globo, baseada em sua obra homônima.
A filha dele e a minha irmã foram a ponte para o encontro. Era a primeira entrevista da minha vida, com meu inspirador no Jornalismo. Levei gravador e um roteiro de perguntas. Ele me recebeu na área de lazer do prédio em que morava, na Savassi – claro, a região era sua paixão, uma das. Ele me recebeu tão bem e tão à vontade que acabei me desprendendo do roteiro de perguntas e aprendendo que a entrevista pode ser uma conversa, e é até bom que seja. Foi minha primeira lição prática.
Ao final, Roberto Drummond me deu um livro com bastidores e fotos da minissérie “Hilda Furacão”. Lindo, bem lindo. Eu, tímida ainda, não pedi para que o autografasse para mim. Três anos depois, meu inspirador morreu; seis anos depois, comecei a trabalhar no Hoje em Dia. Fiquei sem a assinatura no livro. Ficou a assinatura na vida.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Não sou branca

Quando eu estava na faculdade de Jornalismo, havia um aluno peruano em outro curso da Comunicação Social. Era um doce de pessoa. E muito inteligente, muito capaz, havia ganhado bolsa para estudar lá, uma universidade particular brasileira, bem-conceituada. Fizemos uma amizade bonita no período em que estudamos juntos. Certo dia, ele me contou que sofreu discriminação por parte de um colega de sala. O outro colega havia dito: “vocês vêm para cá estudar de graça e tirar espaço nosso no mercado”. Doeu. Em mim e, principalmente, nele. Não tenho mais contato com esse amigo, mas imagino que lhe deve ter doído também ver as cenas de racismo do seu povo contra o jogador negro brasileiro, ontem, em Huancayo, no Peru. Ele já esteve do outro lado. Ele sabe que isso corta como punhal.
Essa foi uma das vezes em que eu vi a dimensão do preconceito, da discriminação bem perto de mim. É terrível, é sujo, é golpe sujo. É arma de quem não tem com o que lutar. De quem não tem dignidade para ir para um embate em condições de igualdade. Então, é simples, me coloco acima pelo critério cor-pele-cabelo. Imundo isso.
Sou considerada “branca” pela sociedade, mas mal sabem os que me consideram branca que, sim, tenho ascendência europeia – italiana e portuguesa –, mas também indígena. Pouco sei da minha história materna, mas minha mãe nos conta que uma de nossas bisavós foi pega no laço. Era uma índia. Também tenho ascendência negra. Meu avô materno era, como diz minha mãe, “negoaço”, uma forma antiga de dizer branco do cabelo crespo.
Com toda essa mistura, me consideram branca porque tenho pele clara, cabelos lisos, nariz afilado. Não, eu não sou branca. Eu sou resultado de uma mistura bonita, mas conflituosa, que nem sempre ocorreu com concordância de todas as partes. Eu tenho um passado indígena, no qual muitas mulheres sofreram abusos de brancos, de negros e de outros índios. Assim como indígenas peruanas devem ter sofrido. Além disso, no meu passado indígena, homens índios foram massacrados covardemente e ainda hoje são humilhados e tratados como inferiores ou “coitadinhos” em várias partes do mundo.
Eu tenho um passado negro, no qual mulheres também foram abusadas por senhores brancos e por reis negros e por tantos outros. Homens foram abusados, escravizados, humilhados, vendidos. E ainda hoje lutam por igualdade, por sua beleza ser admirada, por sua competência ser reconhecida, por não ter sempre o sufixo “negro” em tudo. Tenho um passado europeu, de pobres italianos e portugueses que, desesperançados em seus países, vieram para cá em busca de uma vida mais promissora e acabaram encontrando condições de trabalho similares à escravidão, com a diferença de uma baixa remuneração.
Por ser considerada branca, não posso dizer que sofri preconceito alguma vez na vida. O máximo que já sofri foi um bullying na escola, por não ser rica ou por ter piolho. Doeu? Sim, mas nunca como deve doer em um negro ser discriminado pela cor. Uma vez até já me discriminaram ao contrário: “você não é brasileira! Você não é negra...”. Ouvi isso dentro de um trem na Itália. Fiquei enojada. Doeu, mas não como deve doer em um negro ser discriminado pela cor. Repito isso para frisar que eu NUNCA vou saber o que é o preconceito racial, eu posso chegar perto dessa dor, mas nunca vou saber o que ela é realmente. Nem eu nem nenhum de meus amigos e familiares considerados brancos. Portanto, não é admissível que alguém “branco” tente minimizar o preconceito sofrido por um negro. Não é admissível. Não minimizem, por favor.
Branco, negro, índio, de que biotipo for, o passado da humanidade é marcado por vitórias, derrotas e lutas. Muito há do que se envergonhar, de todas as partes. Mas podemos construir uma história diferente, da qual não teremos vergonha no futuro. O começo para essa nova história é agir com igualdade, com irmandade, sem se sobrepor ao outro, sem sujar as mãos com a imundície do preconceito, da discriminação. É direcionar um olhar humano ao que é humano. É direcionar amor aos gestos, às pessoas, ao seu irmão de todas as cores. Que nossas lutas de agora e do futuro sejam em pé de igualdade, sem a mancha indelével do racismo. Irmãos peruanos, lamento pela parte de vocês que os envergonhou e que envergonhou o mundo. Tinga e demais jogadores negros do mundo, sua cor é linda e sua história é de orgulho. Vocês são vencedores.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O que reluz e é ouro

Os olhos eram de alegria, expectativa, ansiedade. Procuraram os outros, pediu que os olhassem. Conseguiu.
- Obrigada, com os olhos brilhantes.
- Pelo quê?, olhos brilhantes e interrogadores, sustentados por um sorriso um pouco sem graça, de canto de boca.
- Obrigada por me tirar da Terra, com os olhos mais brilhantes e felizes.
Quatro olhos brilhantes se encontraram. Encontro.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O sexismo nosso de cada dia


Era uma turma de amigos muito queridos. Todos falamos sobre todos assuntos, as mulheres sempre expressam seus sentimentos, suas histórias, suas opiniões sobre todos os assuntos normalmente, em quase todos os encontros. A turma fixa é de quatro mulheres e três homens, mas, no final de semana tratado aqui, havia de cinco a seis homens a mais e quatro mulheres a mais – essas pessoas de acréscimo eram flutuantes, então, não dá para contar muito. Foi uma confraternização em um sítio, de sexta à noite a domingo à tarde.
Churrasco, piscina, cerveja. Todo mundo se divertindo, contando caso, rindo à toa. Todos felizes. Pega copo, suja copo. Pega prato, suja prato. Pega faca, garfo, colher, suja tudo em seguida. Vai tudo para a pia. Quem vai lá para lavar? As mulheres. Em nenhum momento, os homens se ofereceram para lavar. Quem foi para o fogão para fazer o almoço de sábado? As mulheres. Só um dos rapazes é que se atreveu a ajudar a picar uns legumes para o vinagrete. Quem cuida de limpar e arrumar a mesa para servir o almoço? Mulheres. Por outro lado, quem foi para a churrasqueira? Os homens. Quem comprou a cerveja? Os homens. Quem cuidou de limpar a piscina? Os homens. Quem ficou com o controle do som? Os homens.
É um exemplo bobo isso, corriqueiro, do qual eu, você, todos participamos, mas que demonstra ainda como as tarefas são divididas de forma sexista. Por que os homens não podem ajudar a lavar as vasilhas? Por que as mulheres não podem se responsabilizar pelo churrasco? É humilhante para o homem ir para a cozinha? É uma afronta a mulher ir para o churrasco?
De certa forma e sem ser feminista, essa divisão das tarefas reforça uma estrutura patriarcal, que a gente até tenta, mas tem dificuldade em mudar. É muito sutil e, acredito, não é uma ação intencional. Quem está agindo assim não está sendo machista, está como se seguindo um fluxo natural. Existem poucas exceções, mas, como a palavra diz, é exceção. Nessa estrutura, as mulheres ficam nos bastidores, fazem o serviço "menor", que não aparece, escondidas na cozinha. Quem faz a linha de frente, o que aparece, o que tem contato com o externo é o homem.
É estranho e mais estranho ainda é como a gente participa automaticamente disso, como se fosse uma regra inviolável. As mulheres simplesmente vão para a cozinha, e os homens, para a churrasqueira. Nós, as mulheres, não deixamos de ser cúmplices nesse processo. Ajudamos a manter essa estrutura. Mesmo sem querer. E penso que a gente não queria que fosse assim ou que continuasse sendo assim.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Espelho inverso

Os espelhos poderiam não refletir somente a gente, a aparência da gente. Tinha de ter um jeito de ele mostrar o que sai lá de dentro. Seria, na verdade, um projetor. Iria pegar tudo o que tem dentro da pessoa e projetar, de dentro para fora. Assim seria mais fácil menos enganos. Há muitos enganos. O ovo não é duro nem branco por dentro.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Antidor

Acho você a coisa mais linda do mundo. Só não te olho para não doer mais em mim.

Tapete vertical

Por causa dos gatinhos, não posso ter enfeites em casa. Então, enfeito as paredes. Vou cobrindo-as, cobrindo-as, encontrando cantos, daqui, de lá, espaços onde eu possa encaixar expressões várias. Minhas paredes são quase tapetes.

Era você

Não me lembro com o que sonhei noite passada, mas eu sei. Sonhei com você. É assim desde então.